Folha de S.Paulo
Sidney Klajner
23 de Maio de 2020
Quando o novo coronavírus chegou ao Brasil, em fevereiro, o Brasil foi obrigado a olhar-se no espelho. O Brasil se deparou com um Brasil de realidades distintas, responsáveis por determinar quem tem mais ou menos chances de morrer de acordo com o serviço de saúde disponível.
As diferenças entre os níveis de estrutura e de preparação dos profissionais dos setores público e privado ficaram escancaradas pela urgência da pandemia.
Nos últimos dias, com a lotação dos hospitais do SUS atingindo o pico, cresceu no país a discussão sobre a criação de uma fila única de pacientes, que seriam atendidos segundo a disponibilidade de leitos públicos ou particulares.
Trata-se de um princípio justo. Como determina a Constituição, todo brasileiro tem direito à saúde.
O desafio é como assegurá-lo de maneira que o sistema funcione e sobreviva às dificuldades impostas pela pandemia.
É inócuo, por exemplo, recorrer à requisição compulsória de leitos privados sem considerar a necessidade de equipamentos, de insumos e de profissionais habilitados a operá-los.
Para o setor privado, a utilização da capacidade ociosa é positiva.
Os hospitais reforçam seu compromisso com a sociedade e mantêm em operação leitos que ficariam vazios. Porém, é preciso maturidade nas negociações para que a remuneração pelo uso cubra os custos despendidos. De outra forma, as instituições podem se tornar inviáveis financeiramente. Se isso acontecer, haverá somente o prejuízo da vida como consequência da falta de entendimento da complexidade da questão.
O ponto principal é estabelecermos como as esferas pública e privada da saúde podem trabalhar em conjunto durante e depois da pandemia.
Nenhuma nação deve prescindir de um modelo de integração entre o que existe de melhor, não importando se público ou privado, em benefício dos habitantes.
Nenhuma nação deve prescindir de um modelo de integração entre o que existe de melhor, não importando se público ou privado, em benefício dos habitantes.
Essa é uma realidade que a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein já vive, com base nas parcerias que mantém com os governos federal, estadual e municipal. É um trabalho cujo valor imensurável para os brasileiros ganhou mais visibilidade ao longo do combate ao novo coronavírus.
É exemplar o enfrentamento conjunto, por meio da criação ou expansão de estruturas em São Paulo voltadas ao atendimento via SUS, como o hospital de campanha do Pacaembu, a ampliação de leitos de UTI para pacientes infectados na Unidade de Pronto Atendimento do Campo Limpo e no Hospital Municipal Vila Santa Catarina e a nova ala para Covid-19 no Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch — M’Boi Mirim, com ajuda das empresas Ambev e Gerdau.
As ações se iniciaram tão logo tivemos a certeza da dimensão da pandemia no país. No M’Boi, são 514 leitos para Covid-19, sendo 234 de UTI. Na UPA de Campo Limpo, são 30 leitos a mais de UTI e, no HMSC, 73 a mais. O hospital de campanha do Pacaembu surgiu de uma conversa com os responsáveis pelo Consórcio Allegra, que administra o estádio. Em dez dias, 216 leitos estavam prontos para uso, sendo 16 de UTI, frutos de doação da Mapfre.
Em toda crise encontram-se ensinamentos. Na saúde, aprendemos que sistemas associando esforços do Estado e do setor privado beneficiam a todos. Entendida a lição, o Brasil poderá se olhar no espelho e, finalmente, deparar-se com um Brasil que não deixa nenhum brasileiro para trás.
Originally published at https://www1.folha.uol.com.br on May 23, 2020.