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institute for continuous health transformation,
and digital health — for all
Joaquim Cardoso MSc.
Chief Research and Strategy Officer (CRSO),
Chief Editor and Senior Advisor
31 de Dezembro de 2023
Esta é uma republicação do post acima, de autoria de André Medici, publicado em “Monitor de Saúde”, em 30 de Dezembro de 2023. O post é precedido por um Sumário Executivo pelo Editor deste Portal (Joaquim Cardoso, MSc)
One page summary:
O ano de 2023 marcou uma transição da pandemia de COVID-19 de um estado epidêmico para endêmico, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Houve uma redução significativa nos casos globais da doença ao longo do ano.
Apesar disso, muitos países enfrentaram desafios na retomada dos serviços de saúde devido à falta de pessoal, problemas de saúde mental exacerbados pela pandemia e os impactos das mudanças climáticas na saúde.
A cobertura universal de saúde teve progressos, mas enfrenta dificuldades em atingir as metas estabelecidas para 2030.
Pontos-Chave
Redução dos Casos de COVID-19
- A transição da pandemia para um estado endêmico foi observada com a diminuição dos casos de COVID-19 em 2023 em comparação com os picos anteriores.
- O restabelecimento dos serviços de saúde enfrentou desafios devido à falta de pessoal e à necessidade de recuperação da capacidade instalada.
Escassez de Profissionais de Saúde
- Muitos países enfrentam escassez de profissionais de saúde, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, afetando a prestação de serviços e a resposta a doenças crônicas e mentais.
- Prevê-se um déficit significativo de enfermeiros e outros trabalhadores da saúde nos próximos anos, exigindo estratégias para mitigar essa escassez.
Impactos na Saúde Mental
- A pandemia aumentou os casos de depressão e ansiedade globalmente, com a demanda por serviços de saúde mental continuando elevada.
- O Brasil tem a maior prevalência de depressão na América Latina, atribuída à falta de acesso a tratamentos adequados e ao estigma social associado aos transtornos mentais.
Mudanças Climáticas e Saúde
- As mudanças climáticas têm impactos significativos na saúde, causando desastres naturais que afetam a segurança alimentar, a água e a saúde mental.
- A falta de ações contundentes na Conferência Mundial de Mudança do Clima (COP28) evidencia a necessidade urgente de políticas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na saúde global.
Universalização da Cobertura de Saúde
- Apesar do progresso na cobertura universal de saúde, o avanço foi desacelerado pela pandemia, enfrentando dificuldades financeiras e aumento das despesas de saúde para a população.
- A meta de alcançar a cobertura universal de saúde até 2030 está comprometida, exigindo sistemas de saúde mais eficientes e equitativos.
Inflação em Saúde e Fusões no Setor
- Os custos médicos globais continuam a aumentar, pressionando a inflação em saúde, enquanto a atividade de fusões e aquisições no setor diminuiu em 2023.
- No Brasil, houve um número considerável de fusões e aquisições no setor de saúde, mas houve uma desaceleração dessas atividades em relação aos anos anteriores.
Gestão de Saúde e Estratégias Disruptivas
- Os gestores de saúde enfrentam o desafio de transformar a experiência do paciente, adotar inovações tecnológicas e modelos de cuidados personalizados enquanto buscam sustentabilidade financeira.
- A pandemia atrasou investimentos e capacitação necessária para transformações nos sistemas de saúde.
O Autor ainda apresenta um ponto adicional sobre “Conflitos”, cuja seção pode ser lida no artigo original.
Exemplos e Estatísticas
- Queda significativa de casos de COVID-19 globalmente ao longo de 2023 (OMS).
- Previsão de déficit de profissionais de saúde nos EUA, chegando a 200.000 a 450.000 enfermeiros registrados até 2025.
- Aumento de 25% nos casos de depressão e ansiedade no primeiro ano após o surgimento do COVID-19 (OMS).
- Estimativa de mais de 12.000 mortes devido a desastres naturais em 2023, afetando desproporcionalmente países de baixa renda (Save the Children).
- Previsão de aumento dos custos médicos globais entre 8,8% e 9,2% em 2023 (Relatórios da WTW e PwC).
- Realização de 53 fusões e aquisições no setor de saúde no Brasil em 2022 (KPMG).
- Projeção de aumento de receita de US$ 1 trilhão nos próximos cinco anos nos EUA devido a inovações em modelos de financiamento de saúde (PwC).
Conclusões e Recomendações
- É essencial investir em estratégias para mitigar a escassez de profissionais de saúde, especialmente enfermeiros, e promover acesso e tratamento adequado para saúde mental.
- Os países devem intensificar esforços para enfrentar os impactos das mudanças climáticas na saúde e implementar políticas mais assertivas para reduzir emissões e preparar-se para desastres naturais.
- A busca pela cobertura universal de saúde exige sistemas mais eficientes e equitativos, com foco na atenção primária e na redução das despesas financeiras para a população.
- Os gestores de saúde devem se adaptar às novas tecnologias e modelos de cuidados, priorizando a experiência do paciente e garantindo sustentabilidade financeira.
A saúde global enfrenta desafios complexos e interconectados que requerem ações coordenadas e urgentes para garantir cuidados acessíveis e de qualidade para todos.
Observação: Todas as referências estão disponíveis nos links fornecidos no texto original.
INFOGRÁFICO
sábado, dezembro 30, 2023
Retrospectiva da Saúde Global em 2023: Algumas Reflexões
Ano 18, Número 142, Dezembro de 2023
André Medici
O Legado da Pandemia
Tecnicamente, o ano de 2023 foi o primeiro considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o ano em que a pandemia deixou de ser epidêmica para ser endêmica. Isto significa que as taxas de contaminação pandêmica se reduziram sensivelmente na média mundial ao longo do ano. Desde o início da pandemia, de acordo com os dados da OMS, o maior número de casos globais foi registrado na semana de 25 de dezembro de 2022 (44,4 milhões), mas quando se compara esta mesma semana com a mesma semana de 2023, o número de casos registrados caiu para 259,1 mil, o que demonstra uma expressiva redução ao longo do ano (ver gráfico 1).
Gráfico 1 – Número de casos semanais de Covid-19 ao Nível Global:
Janeiro 2020-Dezembro de 2023 (em milhões de casos)
Gráfico 2 – Número de mortes derivadas de conflitos armados
segundo regiões mundiais: 1946-2022
Gráfico 3 – Número de fusões e aquisições do setor saúde no Brasil:
2012-2022
DEEP DIVE
Ano 18, Número 142, Dezembro de 2023
André Medici
O Legado da Pandemia
Tecnicamente, o ano de 2023 foi o primeiro considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o ano em que a pandemia deixou de ser epidêmica para ser endêmica. Isto significa que as taxas de contaminação pandêmica se reduziram sensivelmente na média mundial ao longo do ano. Desde o início da pandemia, de acordo com os dados da OMS, o maior número de casos globais foi registrado na semana de 25 de dezembro de 2022 (44,4 milhões), mas quando se compara esta mesma semana com a mesma semana de 2023, o número de casos registrados caiu para 259,1 mil, o que demonstra uma expressiva redução ao longo do ano (ver gráfico 1).
Gráfico 1 — Número de casos semanais de Covid-19 ao Nível Global:
Janeiro 2020-Dezembro de 2023 (em milhões de casos)
Fonte: OMS, Link: https://data.who.int/dashboards/covid19/cases?n=c
Nos Estados Unidos, a primavera de 2023 registrou as mais baixas taxas de contaminação desde o início da pandemia e o chamado Covid de longo prazo (com uma série de sintomas como confusão mental, além de problemas respiratórios, cardiovasculares e neurológicos), que muitos pensavam ser um problema crescente, se encontra em declínio desde 2022, mas ainda com muitos casos remanescentes e sem grandes perspectivas relacionadas a sua causa e tratamento.
Com menos casos pandêmicos, a maioria dos países reverteu o regime de emergência sanitária, tornando possível retomar a produção de serviços ambulatoriais e hospitalares de saúde que estava adormecida por conta da redução de demanda por cirurgias e procedimentos ambulatoriais comuns não vinculados à pandemia, mas esse processo não ocorreu de forma similar em todos os países, dado que muitos ainda estão em processo de recuperação da capacidade instalada e da contratação de profissionais de saúde que desertaram, por burnout ou fadiga, ou foram desligados por instituições que descontinuaram temporariamente seus serviços.
O fechamento de hospitais e instalações de saúde e, principalmente, a falta de pessoal de saúde no pós-covid são problemas que podem afetar a expansão e a qualidade dos serviços de saúde nos próximos anos, o que contrasta com a necessidade urgente de profissionais de saúde associada ao envelhecimento da população, a crescente incidência de doenças crônicas e de doenças mentais. Embora não existam dados globais, pode-se dizer que somente nos Estados Unidos, o número de pessoas ocupadas no setor saúde caiu de 16,2 para 14,9 milhões entre abril de 2019 e abril de 2020. Desde então esse percentual vem se recuperando no meio de maior rotatividade de empregos e custos mais elevados para o setor[i]. A Europa também enfrenta uma retirada de profissionais de saúde e um envelhecimento de sua força de trabalho em saúde no pós-pandemia, afetando fortemente a capacidade de entrega de serviços. Segundo reportagem do Financial Times, entre 15% e 25% das unidades de tratamento intensivo estão desativadas por falta de pessoal[ii].
Muitos estudos indicam que, os EUA poderão registar um déficit de 200.000 a 450.000 enfermeiros registados até 2025 e uma escassez de mais de 3,2 milhões de trabalhadores de saúde com salários mais baixos, tais como assistentes médicos, auxiliares de saúde e auxiliares de enfermagem, nos próximos cinco anos. Os gerentes do setor devem buscar estratégias para neutralizar os impactos negativos da escassez de mão de obra no setor. Com a expectativa de que a escassez continue, será importante promulgar políticas adicionais que aumentem a oferta de força de trabalho em saúde nos próximos anos para enfrentar os desafios da cobertura universal e do envelhecimento.
A Intensificação dos Conflitos Armados
Embora o presente século não tenha sofrido os problemas dos conflitos armados de forma tão intense como no século passado, esta situação se reverteu no início do presente século, especialmente em Regiões como a África, Oriente Médio e Europa do Leste.
Embora a maior parte dos conflitos armados recentes ocorra em países da África (96 dos 182 conflitos armados existentes em 2022) estes tem recebido muito pouca atenção, seja das forças de paz das Nações Unidas, seja da imprensa internacional ou dos países no resto do mundo. Existe uma certa tolerância internacional de que neste continente ocorram guerras e conflitos frequentes e muitos deles podem atingir dimensões dantescas em termos de vidas perdidas e desastres socioeconômicos.
No entanto, as recentes guerras da Etiópia e Ucrânia e, recentemente, o conflito armado provocado pela invasão do grupo terrorista Hamas à Israel, em 8 de outubro de 2023, inauguram um processo que não se sabe quanto tempo irá durar, como fica evidente no Gráfico 2.
Gráfico 2 — Número de mortes derivadas de conflitos armados
segundo regiões mundiais: 1946–2022
Fonte: Uppsala Conflict Data Program (2023); Peace Research Institute Oslo (2017)
Entre 2010 e 2022 o número de conflitos armados ao nível global aumentou de 84 para 182. Ao mesmo tempo, vale mencionar que alguns conflitos podem ser mais letais do que outros. Portanto, o número de conflitos não necessariamente reflete o número de mortes. Entre 2010 e 2022, o número de mortes por conflitos armados aumentou de 21,1mil para 204,0 mil, como pode ser observado através do gráfico 2. Os dados para 2023 ainda não fecharam, mas provavelmente atingiram números equivalentes ou maiores do que em 2022.
Ao lado as mortes e traumas físicos e mentais trazidos pelos conflitos armados, tem-se ainda a perspectiva de destruição dos sistemas de saúde das regiões afetadas, diminuindo a capacidade de atendimento da população mais carente que depende destes serviços.
Problemas de Saúde Mental
Os transtornos mentais têm sido, desde 1990, uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo, sem evidências de uma diminuição da carga de doença associada a estas condições. Os estudos existentes têm demonstrado o impacto da pandemia do COVID-19, das guerras e da violência no aumento dos transtornos mentais, especialmente nos últimos dois anos. Análises sobre a carga de doença mostram também o impacto de temas como o abuso sexual durante a infância, a violência doméstica e a vitimização por bullying como fatores de risco para o aumento da incidência de condições de saúde mental.
Dados da OMS afirmam que casos de depressão e a ansiedade aumentaram 25% no primeiro ano após o surgimento do Covid-19 e a demanda por serviços de saúde mental continuou elevada ao longo de 2022 em regiões como a América Latina e Caribe, segundo dados recentes do Banco Mundial[iii]. No entanto, apenas 2% dos orçamentos nacionais de saúde — e menos de 1% da ajuda internacional de saúde — são dedicados a essas enfermidades, segundo a OMS. Em 2024, os países deverão aumentar sua resposta em matéria de atenção e financiamento à saúde mental.
De acordo com a Organização Panamericana da Saúde (OPAS), O Brasil é o país com a maior prevalência de depressão na América Latina[iv], e as principais razões associadas ao tema são a falta de acesso a tratamento de qualidade na rede pública de saúde; o estigma social ainda existente no país em relação aos transtornos mentais e a falta de protocolos de atendimento para vários transtornos mentais, incluindo a depressão.
Em 2023, segundo o Jornal o Globo[v], o Ministério da Saúde ampliou o orçamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com investimentos que poderão chegar a R$ 414 milhões no período de um ano. A expectativa é que a RAPS tenha crescimento anual superior a 5% nos próximos quatro anos. O repasse será direcionado para os 2.855 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) existentes no país e para os 870 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT).
Os Efeitos das Mudanças Climáticas na Saúde
Mudanças climáticas têm afetado a saúde de milhões de pessoas em todo o mundo e seus efeitos deverão piorar ao longo deste século. Ondas de calor extremo e desastres naturais ceifam a cada ano um número maior de vidas e aumentam as condições de pobreza e desproteção, especialmente nos países mais pobres. As inundações levam populações a abandonarem as suas casas e afetam sua saúde mental. As secas e as tempestades têm afetado a segurança alimentar e a disponibilidade de água, e os incêndios florestais têm aumentado a poluição atmosférica e a incidência de doenças respiratórias. A preparação para o enfrentamento das mudanças climáticas e desastres naturais é fundamental para mitigar seus impactos crescentes. Políticas de prevenção, baseadas em fontes limpas e alternativas de energia que reduzam as emissões de carbono, poderão contribuir muito para a redução futura dos efeitos deletérios das mudanças climáticas na saúde.
Dados na ONG Save the Children[vi] estimam que pelo menos 12.000 pessoas — 30% mais do que em 2022 — perderam a vida devido a inundações, incêndios florestais, ciclones, tempestades e deslizamentos de terra em todo o mundo ao longo de 2023. A análise demonstra que os países com renda mais baixa foram os que suportaram o maior peso da crise climática em 2023, com mais de metade das pessoas mortas. Quase metade (45%) das mortes por desastres naturais (5.326) ocorreram em países responsáveis por menos de 0,1% das emissões mundiais, de acordo com a Base de Dados de Emissões da UE para a Investigação Atmosférica Global (EDGAR).
A análise mostra que crise climática afeta desproporcionalmente os países que menos fizeram para a causar e que, ao mesmo tempo, são os mais frágeis para resistir aos seus efeitos mais prejudiciais, consolidando ainda mais a desigualdade, a pobreza e as migrações. Os desastres climáticos deixam as crianças sem abrigo, fora da escola, com fome e com medo de que inundações, tempestades e incêndios florestais ceifem a vida dos seus entes queridos.
Como base para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Social (ODS) até 2030, espera-se que a ênfase das ações dos governos esteja voltada para reduzir as emissões que levam ao aquecimento global. No entanto, apesar das boas intenções reveladas na Conferência Mundial de Mudança do Clima (COP28) em Dubai, os acordos que saíram dos encontros de mais de 130 países foram insuficientes, corroborando com o que já se sabia, até a presente data, que estes esforços têm sido demasiado modestos. A solução estará muito dependente dos compromissos dos governos e das empresas petroleiras, o que cria perspectivas onde os interesses econômicos ficaram à frente das necessidades de transformação climática. Atualmente, as alterações climáticas exigem soluções mais urgentes do que nunca e é necessário prestar muito mais atenção à minimização dos impactos na saúde global através da adaptação ou do aumento da resiliência.
Temas climáticos serão cada vez mais importantes para melhorar a saúde geral e reforçar o desenvolvimento socioeconómico, especialmente entre os países mais vulneráveis. Soluções tecnológicas poderão apoiar a adaptação climática no futuro, entre elas o uso de culturas agrícolas resistentes à seca, o aumento da vegetação nas cidades para reduzir o efeito estufa urbano e a reorientação da utilização dos solos para adaptação à subida dos níveis do mar.
A poluição atmosférica é um dos principais fatores que afetam a carga global de doença, respondendo por 8% de toda a mortalidade global. Mas na medida em que as soluções para este problema são conhecidas, aumentar a velocidade de redução das fontes de poluição atmosférica salvará vidas hoje. Essas soluções aproximarão o mundo dos objetivos de emissões líquidas zero de carbono para, em última análise, enfrentar as causas das mudanças climáticas.
Tendências Globais na Universalização da Cobertura de Saúde
Desde a declaração da ONU que instituiu os ODS, o Banco Mundial e a OMS desenvolveram uma métrica para medir o alcance da cobertura universal de saúde (UHC Index)[vii], que é uma medida da proporção da população que pode aceder a serviços essenciais de saúde (indicador ODS 3.8.1) sem enfrentar dificuldades financeiras (indicador ODS 3.8.2), a qual varia de zero a cem. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o UHC index, ao nível global, aumentou de 45, em 2000, para 68 em 2021.
No entanto, o progresso no aumento da cobertura se abrandou desde 2015, subindo apenas 3 pontos entre 2015 e 2021 e ficando estável a partir de 2019. Provavelmente a pandemia teve uma forte influência na estagnação do score desse índice, criando dificuldades para que os países realizem progressos significativos rumo à cobertura universal de saúde até 2030. A proporção da população que enfrentou níveis catastróficos de despesas correntes com a saúde aumentou continuamente desde 2000. Este padrão global é consistente em todas as regiões e na maioria dos países.
Tanto a OMS como o Banco Mundial não acreditam que o cumprimento da universalização de cobertura de saúde será alcançado até 2030, mas ao mesmo tempo enfatizam que sua consecução está associada ao desenvolvimento de sistemas de saúde eficientes e equitativos, enraizados nas comunidades, com base na atenção primária, com uma força de trabalho qualificada e equipada e com ênfase no enfrentamento dos riscos ambientais e socioeconómicos que afetam a saúde e o bem-estar, incluindo a preparação, resposta e recuperação de emergências sanitárias.
Tendências da Inflação em Saúde
Depois do primeiro ano da pandemia, quando houve uma tendência a redução dos preços no setor saúde, ocorre uma pressão global contínua na inflação médica. De acordo com o Relatório da Pesquisa Global de Tendências Médicas de 2023 da WTW, os custos médicos globais deverão aumentar para 9,2% em 2023, depois de um aumento de 8,8% em 2022 e de 8,2% em 2021. Esta tendência ao aumento deverá se manter em 2024, onde há a Aon estima o crescimento da inflação médica global ao redor de 10,1%. Este valor difere da estimativa da Price Waterhouse and Coopers (PwC Health Research Institute) que projeta uma tendência global de aumento dos custos médicos de 7,0% em 2024, tanto para os mercados de seguros individuais como para os mercados de seguros de grupo. O relatório da PwC destaca que o setor saúde se encontra sob pressão devido à inflação elevada, ao aumento dos salários e outros custos, que são agravados pela escassez de mão de obra clínica.
Fusões, Aquisições e Concentração dos Mercados em Saúde
Apesar da inflação em saúde mais elevada, os resultados dos de 2023 deixaram, inicialmente, os analistas dos mercados em saúde otimistas em 2023 na medida que os volumes de concentrações, fusões e aquisições continuaram a crescer em 2022. No entanto, mesmo com alguns negócios de alto perfil ocorridos no primeiro semestre do ano nos Estados Unidos, como a aquisição da Signify Health pela CVS e a compra do Grupo LHC pela United Health, a atividade de fusões no setor saúde desacelerou um pouco. Alguns fatores específicos, como a forte procura de cuidados de saúde domiciliários e cuidados paliativos, demonstraram o crescimento seletivo destes setores.
Mesmo assim, os sistemas privados de saúde têm se dedicado a fusões e aquisições para permanecerem explorando possibilidades de mercados mais abrangentes. Uma pesquisa da KPMG em 2023, envolvendo investidores na área da saúde e do setor farmacêutico, revelou que 60% dos entrevistados afirmaram que planeavam intensificar a atividade de fusões e aquisições em 2024, ainda que a inflação e a elevada taxa de juros possam criar pressões desfavoráveis a estes movimentos.
No Brasil, embora o número de fusões e aquisições em 2022 tenha sido 36% menor do que ocorrido em 2021, foram realizadas 53 operações desta natureza nos mercados brasileiros de saúde, englobando hospitais, laboratórios de análises clínicas e as companhias de produtos químicos e farmacêuticos, de acordo com dados da KPMG (ver gráfico 3). Um exemplo deste movimento em 2022 foi a fusão da Rede Dor com a Sul América Seguros de Saúde — um negócio avaliado na época em US$3,1 bilhões.
Mas ainda que os dados não estejam consolidados, pode-se dizer que após esse grande movimento de fusões e aquisições nos mercados de saúde, entre 2019 e 2022, o ano de 2023 parece ter sido mais comedido neste processo, seguindo a desaceleração iniciada em meados de 2022.
Gráfico 3 — Número de fusões e aquisições do setor saúde no Brasil:
2012–2022
Fonte: KPMG
Além de um cenário menos atrativo para investimentos, a necessidade de consolidação do que foi comprado, com a captura sinergias, esteve no centro das atenções para o setor nos últimos meses no ano que finda. No entanto, com as perspectivas de queda da inflação e cortes nas taxas de juros, é possível que haja uma recuperação deste mercado de fusões e aquisições em saúde em 2024.
A gestão de saúde e estratégias disruptivas
Os gestores de saúde se encontraram em um ponto de inflexão em 2023 que vai perdurar os próximos anos. Ao mesmo tempo em que são dirigidos a transformar a experiência dos pacientes enfrentam pressões para a sustentabilidade e reestruturação financeira. Muitos operam com modelos de negócios e tecnologias obsoletas e necessitam reformar sua infraestrutura. Neste processo, perdem espaço para start-ups que já são criadas sobre a base de novas tecnologias, saúde digital e inteligência artificial, dando espaço para modelos de cuidados reinventados para dar atendimento remoto e customizado para os pacientes.
Para a maioria das instituições de saúde passa a ser imperativo construir novas capacidades para aumentar sua vantagem competitiva, e cada plano e sistema de saúde precisa ter sua estratégia para conduzir estas transformações e não correrem o risco de ficar ainda mais para trás.
Empresas consultoras como a PwC estimam que, somente nos Estados Unidos, haverá um aumento de receita de US$ 1 trilhão nos próximos cinco anos, baseados em modelos inovadores de financiamento e pagamento aos provedores, como o value-based health care, lastreadas na experiência do paciente, na saúde populacional e na sustentabilidade financeira baseada na eficiência e resultados. Maior integração em equipes do trabalho em saúde, com forte apoio tecnológico, será crucial e o uso de big data e analytics serão essenciais nesse processo. Pode-se dizer que, embora algumas dessas tendências já estejam no mercado há alguns anos, a pandemia criou processos que tornaram mais lentos os investimentos e a capacitação necessária para essas transformações.
Em resumo, os próximos anos mostram a necessidade de retomar o setor saúde atacando, pelo menos cinco pontos: (i) aumentar o acesso e reduzir os custos setoriais; (ii) digitalizar os cuidados de saúde através do uso de dados e da inteligência artificial; (iii) atrair e reter mais clientes; (iv) repensar o risco do mercado de saúde, enfrentando ataques cibernéticos, novas formas disruptivas de concorrência, continuidade dos negócios em momentos de crise e qualidade e segurança para os pacientes, (v) desenvolver formas criativas de enfrentar a crescente escassez de força de trabalho no setor e (iv) gerar modelos de negócio liderados pela entregar valor a todos os stakeholders.
Espero que esta seja uma boa leitura para o fim deste conturbado ano de 2023 e desejo a todos um 2024 repleto de criatividade, imaginação e resultados
Referências
[i] Ver artigo da Kaiser Family Foundation (KFF), link: https://www.healthsystemtracker.org/chart-collection/what-are-the-recent-trends-health-sector-employment/#Cumulative%20%%20change%20in%20health%20sector%20and%20non-health%20sector%20employment,%20January%201990%20-%20October%202023
[ii] Neville, S., & Ricozzi, G., Europe’s post-Covid healthcare problem: how staff burnout has hit services. Treatment backlogs and poor recruitment aggravate chronic mismatch between demand and resource, Link: https://www.ft.com/content/109898ac-9a70-4da8-86c1-ac14d1adc1bb
[iii] Ver o link: https://www.researchgate.net/publication/375182473_Financing_Mental_Health_in_Latin_America_and_the_Caribbean_-_Results_of_the_Regional_Survey
[iv] Ver Organização Pan-Americana da Saúde. Nova Agenda de Saúde Mental para as Américas: Relatório da Comissão de Alto Nível sobre Saúde Mental e COVID-19 da Organização Pan-Americana da Saúde — Resumo executivo. Washington, D.C.: OPAS; 2023. Disponível em: https://doi.org/10.37774/9789275727225
[v] https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/11/06/por-que-o-brasil-tem-a-populacao-mais-depressiva-da-america-latina.ghtml
[vi] A Save the Children utilizou a base de dados internacional de catástrofes (EM-DAT) para identificar o número de pessoas mortas em consequência de incêndios florestais, inundações, ciclones e outras tempestades e deslizamentos de terra desde 2019. Secas e extremos de temperatura, embora ligados às alterações climáticas, foram excluídos devido a à dificuldade em capturar todas as mortes atribuídas a estes. A base de dados EM-DAT foi acedida pela última vez em 18 de dezembro de 2023 e abrange até 6 de dezembro de 2023. Dado que os dados de 2023 ainda estão incompletos, as variações homólogas foram calculadas com base nas médias mensais desse ano.
[vii] A definição precisa do UHC Index pode ser encontrada no link: https://unstats.un.org/sdgs/metadata/files/Metadata-03-08-01.pdf
Originally published at http://monitordesaude.blogspot.com.