A ANS será como a justiça divina? A necessidade de inclusão do transplante de fígado no rol da ANS (Demanda: 5.300)


O Globo, Receita de Médico
Ben-Hur Ferraz Neto

26/11/2021


O transplante de fígado representa a única alternativa de tratamento para 25 pessoas em cada 1 milhão de habitantes todos os anos, que morrerão caso não tenham acesso ao procedimento.


Estamos prestes a receber a resposta da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) quanto ao protocolo registrado pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) que solicita a inclusão do transplante de fígado no rol dos procedimentos obrigatoriamente pagos pelas operadoras de saúde no Brasil.

Vale ressaltar que se trata de uma demanda antiga, que vem sendo pleiteada desde 2010 pela ABTO e que se apoia em alguns fatos e números nacionais e internacionais.


Vamos ao caso específico do transplante de fígado, procedimento aprovado há mais de 40 anos nos EUA e Europa como um tratamento aceito e eficaz, deixando a categoria de experimental. 

Realizado em todo o mundo — no Brasil são mais de 2.200 anualmente -, ele representa a única alternativa de tratamento para 25 pessoas em cada 1 milhão de habitantes todos os anos, que morrerão caso não tenham acesso ao procedimento. 

Embora isso seja verdade, em 2021 a cirurgia continua fora da lista e, consequentemente, fora da obrigatoriedade de cobertura pela saúde suplementar.


A evolução do programa de transplante de órgãos no Brasil durante os últimos 20 anos foi extraordinária. 

Passamos a liderar em números absolutos do procedimento no mundo, apenas atrás dos EUA. 

Ultrapassamos dificuldades aparentemente intransponíveis de infraestrutura, treinamento, formação de equipes, regulamentação e, atingimos a maturidade para podermos dar um novo passo na melhoria contínua da especialidade.


Todavia, a viabilidade da ampliação deste programa nos próximos anos foge das mãos dos pacientes que aguardam hoje em lista por um transplante, dos profissionais da área da saúde que se dedicam a essa jornada todos os dias, das estruturas hospitalares em busca de melhores resultados. 

Há a necessidade de 5.300 transplantes de fígados por ano no Brasil, bem além do que hoje realizamos.

Há a necessidade de 5.300 transplantes de fígados por ano no Brasil, bem além do que hoje realizamos.


Atualmente, a saúde suplementar conta com cerca de 48 milhões de clientes (23% dos brasileiros), que pagam suas mensalidades e deveriam contar com seus seguros para a eventualidade de um procedimento de tamanha complexidade.


A ABTO fez um trabalho árduo recente, que contou com uma empresa de consultoria, para avaliar a situação e preparar um dossiê real, claro e transparente para subsidiar a ANS nessa decisão. 

O documento incluiu o contexto das doenças hepáticas que levam ao transplante de fígado, com revisões sistemáticas da literatura, elaborando um modelo farmacoeconômico e de impacto orçamentário sobre a saúde suplementar no caso da inclusão do tratamento. 

Tudo isso analisado para um período futuro de cinco anos (2022 a 2026). 

  • O estudo demonstrou que o impacto será da ordem de R$ 4,69 por cliente. Isso mesmo. Menos de R$ 5!
  • Mais importante do que isso: a economia gerada para o Sistema Único de Saúde da ordem de R$ 265 milhões permitiria que esses recursos fossem utilizados em melhorias nos serviços públicos de transplantes e na doação de órgãos e tecidos, trazendo ainda mais justiça social e inclusão.

A sociedade sai ganhando e, consequentemente, a saúde do brasileiro também.

E por que não dizer que, com a inclusão do procedimento pelas operadoras, os resultados dos transplantes poderão ficar mais conhecidos e auxiliar ainda mais no progresso do padrão de qualidade dessa área no país?


Será que poderemos em poucas semanas dizer que a ANS é como a justiça divina, que tarda mas não falha?

Essa é a esperança da população brasileira: 48 milhões de clientes com esse direito adquirido e justo, além de 167 milhões de indivíduos que dependem exclusivamente do SUS e contarão com mais recursos para se tratarem. 

Dos pacientes em lista de espera, quem viver verá! E agradecerá a decisão correta tomada.

Originally published at https://blogs.oglobo.globo.com on November 26, 2021.


Sobre o Autor

Ben-Hur Ferraz Neto, Mestre e Doutor em Cirurgia pela Universidade Estadual de Campinas e University of Birmingham. 

Foi Diretor do Programa de Transplante de Órgãos e do Programa de Transplante Hepático do Hospital Israelita Albert Einstein e fundador do Instituto do Fígado na Beneficência Portuguesa. 

Atualmente é Honorary Consultant Surgeon na University of Birmingham (Inglaterra), Presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos e Membro das Câmaras Técnicas Nacionais de Transplante de Fígado e de Transplante de Intestino e Multivisceral do Ministério da Saúde.

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