Observatório da Anahp 2024 (excerto adaptado, com foco nos desafios)
Editado por Joaquim Cardoso
Fonte: Observatório da Anahp 2024
Políticas de saúde e desempenho dos hospitais nos últimos 15 anos: cenários internacional e brasileiro
Editado por André Medici e Ary Ribeiro
Maio de 2024
Os principais desafios enfrentados pelos hospitais nos últimos 15 anos, em nível global
Muitos países de renda alta e média-alta, como o Brasil, têm enfrentado nos últimos 15 anos os efeitos do envelhecimento da população, o que aumenta a demanda por cuidados de longo prazo e serviços especializados para condições crônicas, como doenças cardíacas, diabetes e demência.
Isso tem colocado pressão adicional sobre os sistemas de saúde e os hospitais para fornecer cuidados adequados e sustentáveis.
Ao mesmo tempo que aumentam as pressões de custo pelo envelhecimento da população, aumentam também as pressões de custo associado a tratamentos com tecnologia e medicamentos mais avançados.
Os custos crescentes da saúde têm sido uma preocupação persistente em nível global, de modo que muitos hospitais enfrentam pressão para controlá-los, otimizando a eficiência operacional e buscando modelos de financiamento inovadores, como pagamentos por desempenho e parcerias público-privadas.
Entretanto, nem sempre isso é possível para hospitais de menor porte ou localizados em regiões dispersas.
Assim, países como os Estados Unidos têm passado, de forma crescente, por processos de consolidação hospitalar, com fusões e aquisições ocorrendo em todas as partes.
Isso tem levado à formação de sistemas de saúde maiores e mais integrados, com o objetivo de reduzir custos, melhorar a eficiência e coordenar melhor o cuidado ao paciente.
Os custos crescentes da assistência médica têm sido também uma preocupação em muitos países europeus, levando a esforços para controlar os gastos, melhorar a eficiência dos serviços e buscar modelos de financiamento mais sustentáveis.
Isso inclui medidas como a introdução de orçamentos baseados em resultados, incentivos para a redução de readmissões hospitalares e o aumento da transparência dos preços dos serviços de saúde.
Os últimos anos, especialmente a partir de 2020, com a pandemia de Covid-19 e seus efeitos na morbidade e mortalidade mundial, mas também na desestruturação momentânea dos sistemas de saúde, destacaram a importância da preparação para emergências de saúde pública e da capacidade de resposta dos hospitais.
Muitos países de renda alta têm revisado e fortalecido seus sistemas públicos e sua infraestrutura hospitalar para lidar com crises pandêmicas futuras de forma mais eficaz.
Os impactos da pandemia na organização dos hospitais
A pandemia de Covid-19 impactou significativamente a crise dos hospitais tanto na Europa quanto nos Estados Unidos[1].
Primeiramente, sobrecarregou os sistemas de saúde, levando a uma demanda extraordinária por serviços hospitalares. Hospitais foram inundados com pacientes gravemente doentes que necessitavam de atendimento imediato, resultando em uma pressão extrema sobre os recursos, incluindo leitos, equipamentos e pessoal médico.
A rápida propagação da Covid-19 resultou em uma escassez crítica nos hospitais, incluindo ventiladores, equipamentos de proteção individual (EPIs), medicamentos e suprimentos médicos. Essa escassez exacerbou os desafios enfrentados na prestação de cuidados adequados aos pacientes com a doença, bem como a outros necessitados de tratamento médico.
Os hospitais enfrentaram desafios operacionais significativos durante a pandemia, incluindo reorganização de UTIs para atender a um grande número de pacientes gravemente enfermos, realocação de pessoal para áreas de maior necessidade, implementação de medidas de distanciamento social e segurança e adaptação de fluxos de trabalho para garantir a segurança dos pacientes e funcionários.
A pandemia também teve um impacto significativo na saúde mental dos profissionais de saúde que trabalham nos hospitais. O aumento do estresse, da carga de trabalho e da exposição ao trauma levou a altos níveis de exaustão, ansiedade, depressão e burnout.
Para lidar com o influxo de pacientes com Covid-19, muitos hospitais foram forçados a interromper ou adiar serviços não urgentes, como cirurgias eletivas, exames de rotina e consultas de acompanhamento. Isso teve um impacto significativo para pacientes com outras condições médicas, que podem ter enfrentado atrasos no diagnóstico e tratamento.
Por fim, a pandemia também exacerbou os desafios financeiros enfrentados pelos hospitais, com aumento dos custos operacionais, perda de receitas devido à interrupção de serviços não urgentes e redução do financiamento público em alguns casos. Isso colocou muitas instituições em situações financeiras precárias, algumas delas enfrentando, inclusive, dificuldades para se manterem operacionais.
Tudo isso elevou a necessidade de resiliência, flexibilidade e capacidade de resposta dos sistemas de saúde e dos hospitais para enfrentar crises de saúde pública de grande escala.
Somente a partir de meados de 2022 os sistemas de saúde e, particularmente, os hospitais começaram a ter uma maior folga para a recuperação de seu potencial assistencial e financeiro para atender à demanda reprimida pela pandemia.
O cenário financeiro recente dos hospitais nos contextos internacional e brasileiro
Em nível internacional, os hospitais nos países de renda alta e média têm enfrentado uma crescente pressão financeira ao longo dos últimos 15 anos, derivada de diversos fatores.
O aumento dos custos de assistência médica, incluindo medicamentos, salários dos profissionais de saúde e tecnologia avançada, tem contribuído para a crescente pressão sobre os orçamentos.
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, entre janeiro de 2000 e junho de 2023, o aumento do índice geral de preços para os trabalhadores urbanos foi de 80,8%, comparado com 114,3% do índice específico de bens e serviços de saúde, de acordo com cálculos do Bureau of Labor Statistics[2].
A implementação de reformas para a universalização da saúde, como o ACA nos Estados Unidos ou as políticas de extensão de cobertura na Europa, tem acarretado significativo impacto na situação financeira dos hospitais.
Embora tenha expandido o acesso ao cuidado para milhões de cidadãos, introduziu mudanças no reembolso e penalidades por readmissões hospitalares, influenciando a lucratividade das instituições.
Também é relevante destacar os impactos da pandemia, que, mesmo com tendências a se reverterem nos próximos meses, continuaram a se refletir na performance dos hospitais norte-americanos em 2023, no contexto pós-pandêmico.
Com as despesas ultrapassando significativamente o reembolso, as margens hospitalares foram consistentemente negativas ao longo de 2022.
De acordo com os dados da American Hospital Association, mais da metade dos hospitais terminou 2022 operando com prejuízo financeiro. Essa tendência continuou até o primeiro trimestre de 2023, quando foi registrado o maior número de inadimplência de títulos entre os hospitais norte-americanos em mais de 10 anos.
Dados mais recentes mostram uma certa melhora nos indicadores hospitalares dos Estados Unidos. Em dezembro de 2023, as margens operacionais dos norte-americanos atingiram os melhores resultados financeiros do ano (2,6%), sendo esse o 10º mês consecutivo de melhoras, embora essas margens ainda estejam longe de atingir os níveis pré-pandêmicos.
No entanto, se elas (as margens) não se estabilizarem pelo menos na faixa de 3% nos próximos meses (ver Hut, 2024), pode-se esperar “uma ligeira deterioração do rating” do setor, ainda que muitos hospitais tenham construído balanços robustos enquanto aprendiam a reduzir suas despesas de capital durante a crise pandêmica.
Assim, alguns patinam, enquanto outros avançam, mas tudo isso corrobora o crescente movimento de fusões, aquisições e concentração no setor.
No caso da Europa, não existem estudos recentes que permitam tecer uma análise comparativa da situação financeira dos hospitais, ainda que existam protocolos de pesquisa para o desenvolvimento de estudos dessa natureza nos próximos anos (ver Dubas-Jakóbczyk et al., 2023).
Os poucos estudos já existentes, no entanto, apontam que os efeitos da crise pandêmica ainda permanecem, tendo sido potencializados pelo aumento dos custos da energia — resultado da guerra entre Rússia e Ucrânia.
No caso do Brasil, ainda que não existam informações financeiras consistentes de todos os hospitais públicos e privados, os dados do Sistema de Indicadores Hospitalares Anahp, consolidados neste Observatório, indicam que houve um ligeiro aumento dos gastos com saúde em 2023, puxados, basicamente, pelos gastos diretos das famílias e dos estados e municípios, ainda que tenham ocorrido reduções no âmbito do Governo Federal e do setor de saúde suplementar, que são os dois maiores componentes desses gastos no país[3].
No entanto, vale ressaltar que ocorreu uma melhoria significativa nos indicadores financeiros dos hospitais associados à Anahp em 2023.
· Em outras palavras, houve um aumento real de 13% da receita líquida por saída hospitalar e uma queda real de 5,7% da despesa hospitalar,
· fazendo com que a margem operacional (EBITDA) tenha crescido a um percentual mais elevado do que o de 2022, alcançando 11,9%[4].
Como conclusão, pode-se afirmar que, ainda que existam desafios e incertezas quanto ao financiamento global das políticas de saúde e ao comportamento de finanças públicas e crescimento da economia brasileira nos próximos anos, os hospitais Anahp têm sido resilientes em função de sua boa gestão econômica e do aumento na eficiência operacional dos últimos anos — o que tem garantido não apenas bons resultados financeiros, mas principalmente um bom padrão de atendimento para sua população beneficiária.
References
[1] A pandemia levou à maior queda na expectativa de vida masculina da população norte-americana desde a Segunda Guerra Mundial: entre 2019 e 2020, caiu 2,2 anos nos Estados Unidos.
Estudos realizados por Huang et al. (2023) revelam uma perda média de 1,33 anos para a população acima de 65 anos em 2020 para 27 países.
[2] Ver <https://www.healthsystemtracker.org/brief/how-does-medical-inflation-compare-to-inflation-in-the-rest-of-the-economy/>.
[3] Ver capítulo sobre Mercado de Saúde deste Observatório 2024.
[4] Ver capítulo sobre Gestão Econômico-Financeira deste Observatório 2024.