Observatório da Anahp 2024 (excerto)
Editado por Joaquim Cardoso
Fonte: Observatório da Anahp 2024 — Gestão Econômico-Financeira
Editado por Ary Ribeiro e André Medici
Qual é a mensagem?
Aumenta a tensão nas relações entre hospitais e operadoras, com indicadores crescentes de glosa e prazo médio de recebimento
Introdução
O sistema de saúde suplementar precisa de reformas estruturais, uma vez que medidas unilaterais e de curto prazo não resolverão o problema
Equilibrar a assistência médica e a saúde financeira dos hospitais tem sido um desafio entre os associados Anahp, especialmente nos últimos anos. O relacionamento entre os diferentes elos da cadeia de saúde se mostra cada vez mais tensionado, com margens mais apertadas, prazos mais alongados e uma inédita incidência de glosas e outros obstáculos ao fluxo normal de recebimento dos valores devidos pelos serviços prestados. Com isso, buscar formas de ampliar a eficiência operacional para reduzir custos e otimizar processos tornou-se vital para a sustentabilidade financeira dos hospitais.
Quando analisados os dados contábeis dos associados, as dificuldades enfrentadas vão além das que são expressas em números. As principais medidas adotadas pelas fontes pagadoras e que impactam drasticamente o fluxo de caixa nos hospitais não são possíveis de serem observadas por meio dos indicadores contábeis.
Entre meados de 2022 e início de 2023, a Anahp, com o intuito de aprimorar a qualidade das informações imputadas em seu Sistema de Indicadores Hospitalares para que pudessem efetivamente refletir o panorama trazido pelos hospitais associados, realizou uma revisão importante dos indicadores financeiros e incorporou uma série de dados gerenciais antes não informados, bem como promoveu algumas pesquisas mais profundas a fim de entender e conhecer os desafios que os hospitais estão enfrentando.
Importante ressaltar que a Anahp e seus associados têm plena consciência de que a crise é setorial, e deveríamos todos — prestadores e operadoras de planos de saúde — estar buscando reformas e melhorias na saúde suplementar de forma conjunta e não a partir de iniciativas unilaterais.
Desempenho econômico-financeiro dos hospitais Anahp
As receitas e despesas dos hospitais são decorrentes da combinação da quantidade e do tipo de atendimento prestado aos pacientes, levando-se em conta o perfil da carteira de clientes, com os custos associados à prestação e ao aprimoramento desses serviços, assim como a manutenção e expansão da infraestrutura hospitalar e dos investimentos necessários.
Em 2023, a receita líquida por paciente-dia 1 apresentou variação positiva de 6,40%, enquanto a despesa total por paciente-dia2 teve uma redução de 5,88%, na comparação com 2022 (Gráfico 1).
Quando descontada a inflação (medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo — IPCA), nota-se uma variação positiva de 1,70% da receita líquida por paciente-dia e uma diminuição de 10,04% das despesas totais por paciente-dia no mesmo período de comparação (Gráfico 2). Esses indicadores demonstram uma melhora na relação receita/despesa dos hospitais, apontando uma maior eficiência técnica, operacional e alocativa dos recursos financeiros.
Em 2023, a receita líquida por saída hospitalar aumentou 18,25%, ao passo que a despesa total por saída hospitalar caiu 1,36% na comparação com 2022 (Gráfico 3).
Quando descontada a inflação pelo IPCA, observa-se aumento de 13,03% na receita líquida por saída hospitalar e queda de 5,71% na despesa total por saída hospitalar, na mesma base de comparação (Gráfico 4). Esses resultados evidenciam maior eficiência na gestão operacional dos hospitais Anahp.
No acumulado de 2023, a margem EBITDA ficou em 11,89%, um aumento de 0,63 ponto percentual (p.p.) em relação à média de 2022, e 3,85 p.p. acima do índice observado em 2020 (Gráfico 5).
GRÁFICO 5 Margem EBITDA (%) — média dos hospitais Anahp

Glosas e prazo de recebimento
O monitoramento dos indicadores de prazo de recebimento dos recursos devidos pelas operadoras de planos de saúde aos hospitais e índice de glosas (recusa de pagamento por parte das operadoras) é de extrema relevância para a análise da necessidade de capital de giro, dentre outros parâmetros econômico-financeiros.
Desde a estruturação do Sistema de Indicadores Hospitalares Anahp, os dados contábeis das instituições foram as primeiras informações definidas para este núcleo financeiro. Mensalmente, os associados imputam as variáveis contábeis para que o sistema calcule os indicadores.
Com o amadurecimento do sistema e a complexidade das relações entre os elos da cadeia da saúde aumentando, percebeu-se a necessidade de ampliar o detalhamento das informações coletadas para que uma análise mais profunda fosse possível. A partir deste entendimento, em 2023 algumas informações gerenciais foram incluídas, quais sejam:
• Índice de glosa inicial gerencial: valores não recebidos das operadoras de planos de saúde pelo motivo de glosa (glosa inicial gerencial, ainda sem negociação), dividido pelos valores a receber das operadoras de planos de saúde;
• Índice de recebimento gerencial: valores recebidos das operadoras de planos de saúde dos últimos 5 anos, dividido pelos valores faturados das operadoras de planos de saúde dos últimos 5 anos;
• Inadimplência das operadoras de planos de saúde gerencial: valores não recebidos das operadoras de planos de saúde (faturas em aberto acima de 90 dias), dividido pela média do faturamento dos últimos 12 meses.
Enquanto observa-se nos indicadores contábeis um desempenho linear dos hospitais nos últimos anos, há um outro universo pouco explorado que diz respeito ao valor dos atrasos de pagamentos aos hospitais por parte das operadoras de planos de saúde.
Em levantamento feito pela Anahp em fevereiro de 2024, foi possível identificar R$ 2,53 bilhões de valores em atraso em 2023 — o que corresponde a 6,44% da receita bruta total de R$ 39,31 bilhões dos 72 hospitais privados associados que participaram da pesquisa.
Além de impactar o fluxo de caixa dos hospitais, medidas drásticas como as que vêm sendo adotadas impactam também nos investimentos pelas instituições hospitalares, muitas vezes provocando a defasagem do parque tecnológico das organizações.
Em outro levantamento, realizado em dezembro de 2023, com uma amostra de 66 hospitais associados respondentes, 72,55% não conseguiram executar seus planos de investimento em expansão, 63,46% em investimentos para renovação do parque tecnológico e 70,59% em novas contratações de pessoal.
O prazo médio de recebimento contábil foi de 76,38 dias em 2023, sendo cerca de 3 dias maior que em 2022 e quase 8 dias maior que em 2021 (Gráfico 6).
GRÁFICO 6 Prazo médio de recebimento contábil (dias) — média dos hospitais Anahp

Esse crescente alongamento no prazo médio de recebimento tem sido um dos principais pontos de tensão na relação entre prestadores de serviços e operadoras de planos de saúde, impondo aos prestadores (hospitais) dificuldades financeiras pela necessidade de maior capital de giro.
Por sua vez, o prazo médio de pagamento contábil foi de 49,40 dias em 2023, o que representa um alongamento de cerca de 4 dias em relação a 2022 e de 6 dias na comparação com 2021 (Gráfico 7).
GRÁFICO 7 Prazo médio de pagamento contábil (dias) — média dos hospitais Anahp

O índice de glosa aceita contábil, medido como proporção da receita bruta dos convênios, foi de 1,17% em 2023, demonstrando tendência de crescimento em relação ao ano anterior (Gráfico 8). A glosa aceita identifica o valor de contas que o hospital aceitou como perda, e a alta desse indicador pode ter impactos diretos no fluxo de caixa dos prestadores.
GRÁFICO 8 Índice de glosa aceita contábil (% da receita bruta convênios) — média dos hospitais Anahp

*Em 2023 houve uma mudança de cálculo no indicador: antes, o denominador era receita líquida total; a partir de 2023, passou a ser receita bruta convênios.
A média de glosa inicial gerencial, que mede os valores glosados pelas operadoras de planos de saúde ainda em fase de negociação, foi de 11,89% em 2023 entre os hospitais associados. Destaca-se que essa medida não leva em consideração os valores a faturar das operadoras de planos de saúde, o que pode tornar os valores a receber ainda maiores.
Os movimentos relacionados ao aumento nos prazos médios de recebimento, prazos médios de pagamento e índice de glosa são preocupantes e refletem um certo nível de desequilíbrio na relação entre hospitais e operadoras de planos de saúde, tema que merece atenção nas negociações futuras entre esses dois elos da cadeia.
Perfil da despesa
As despesas com mão de obra, que envolvem tanto os empregos com carteira assinada (custo de pessoal) quanto os serviços técnicos (contratos técnicos e operacionais), responderam por cerca de 50% das despesas dos hospitais Anahp em 2023, sendo os itens de maior participação na despesa total.
No entanto, a participação relativa dos custos de pessoal diminuiu, passando de 42,01% em 2022 para 36,71% em 2023, enquanto a participação referente aos contratos técnicos e operacionais aumentou de 11,74% para 13,02% no mesmo período de comparação.
Materiais e medicamentos representaram, no ano passado, 5,29% e 12,21% das despesas, respectivamente, índices superiores aos observados em 2022.
O mesmo aconteceu com o item órteses, próteses e materiais especiais (OPME), que tem consumo variável influenciado diretamente pela quantidade de pacientes-dia e cirurgias. Em 2023, a participação desses itens na despesa total foi de 7,75%.
É importante destacar a dependência de insumos importados, que pode ter influenciado no aumento dos preços desses itens (materiais, medicamentos e OPME).
Observa-se também um crescimento nas despesas financeiras desde 2021 e, em comparação com 2020, um aumento de 2,14 p.p. (Tabela 1).
Perfil da receita
Entre 2022 e 2023 não ocorreram variações substanciais na distribuição da receita bruta.
