Da varíola à covid-19, a história dos movimentos antivacina pelo mundo


BBC News Brasil
George Erman

Serviço ucraniano da BBC
15 janeiro 2022

A pandemia de covid-19 gerou protestos antivacinação em muitos países ao redor do mundo.

Mas, do ponto de vista histórico, o movimento de oposição à vacina não é nada novo. Desde o seu surgimento no século 18, opositores da vacina têm se manifestado, às vezes organizando protestos em massa.

Confira a seguir como os antivaxxers evoluíram desde a primeira vacina até os dias atuais e qual foi o impacto disso nos acontecimentos mundiais.

Varíola, uma doença terrível

A história do movimento antivacina, de fato, é anterior ao desenvolvimento dos primeiros imunizantes e está associada a epidemias de varíola.

Nos tempos antigos, a simples visão de pacientes com varíola causava medo e pânico. Era uma doença perigosa.


Taxa de mortalidade da varíola é de 20% a 30% (getty images)


Espalhado por gotículas líquidas, o vírus da varíola causa febre, náuseas e vômitos, formando abcessos purulentos (pústulas) na pele e nas mucosas.

Aqueles que sobreviveram à doença ficavam com cicatrizes no local das pústulas ressecadas pelo restante da vida e podiam ficar cegos.

O vírus morre fora do corpo humano e, uma vez infectados, sobreviventes desenvolvem imunidade para sempre.

Ainda se discute quando e como a varíola apareceu pela primeira vez na história, mas está documentado que as epidemias da doença destruíram vilarejos inteiros no Leste Asiático no início da Idade Média.

No Japão, uma epidemia de varíola durante os anos de 735–737 matou cerca de 35% da população.

Também teve efeito devastador na produção agrícola e contribuiu para a disseminação do budismo no país — uma resposta, acreditam os historiadores, à imensa dor que as pessoas sofreram.

CRÉDITO,GETTY IMAGES, Legenda da foto, Samurai japonês Minamoto no Tametomo (século 12) afasta demônios da varíola


Costumes orientais

Por volta dessa época, a varíola se espalhou para o mundo árabe e de lá para a Europa.

No século 16, os espanhóis trouxeram a varíola para a América, onde ela causou mortes em massa entre os povos indígenas.

Por volta da Idade Média, alguns povos africanos e asiáticos praticavam a “variolação” para se proteger da varíola.

Funcionava assim: eles pegavam o pus de alguém com varíola e o esfregavam na pele de uma pessoa saudável.

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Diz a lenda que Pocahontas, cuja história se tornou famosa ao virar filme pela Disney, morreu de varíola em 1616 após visitar Grã-Bretanha

Após o procedimento, a infecção geralmente era leve e não deixava cicatrizes no corpo.

Essa prática foi observada pelo médico e filósofo persa Abu Bakr ar-Razi (864–925), o primeiro a diferenciar o sarampo e a varíola.

Na Europa, a prática da variolação surgiu muito mais tarde.

Ela foi introduzida pela primeira vez por Lady Mary Wortley Montagu (1689–1762), uma aristocrata e escritora que foi morar em Istambul em 1717, onde seu marido era o embaixador britânico.

Ela mergulhou na cultura turca e passou muito tempo conversando com mulheres otomanas, que lhe contaram sobre a prática da variolação.

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Lady Montagu em vestido turco

Lady Montagu havia contraído varíola no passado. A doença deixara cicatrizes em seu rosto e ela queria proteger seu filho de cinco anos.

O médico da embaixada, Charles Maitland, aplicou variolação na criança sem consequências negativas para a saúde do menino.

Prática duvidosa, de acordo com médicos

Lady Montagu tentou compartilhar sua experiência depois de retornar à Grã-Bretanha em 1718, mas foi imediatamente contestada pelos médicos locais. Eles rejeitaram a variolação — ou, como os britânicos a chamavam, “inoculação” — como uma prática duvidosa dos curandeiros orientais.

Mas quando uma nova epidemia de varíola atingiu a Grã-Bretanha em 1721, Lady Montagu também fez a variolação em sua filha.

A notícia se espalhou entre a aristocracia e a família real. A princesa de Gales e futura rainha da Grã-Bretanha e Irlanda, Caroline de Brandenburg-Ansbach, se interessou pelo método.

Ela aprovou um experimento: sete condenados à morte seriam libertados da prisão se aceitassem ser vacinados e sobrevivessem.

Todos os homens selecionados para o experimento sobreviveram e foram libertados. Posteriormente, a princesa decidiu submeter suas duas filhas ao procedimento.

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Princesa de Gales, Caroline de Brandenburg-Ansbach, seguiu adiante com variolação de membros da família real britânica

Vale lembrar que a inoculação não era uma prática segura. Cerca de 2–3% dos pacientes morriam após desenvolver doenças graves.

Uma pessoa inoculada também podia infectar pessoas saudáveis com varíola, porque as condições de higiene e isolamento da época deixavam muito a desejar.

Em 1782 e 1783, os dois filhos do rei britânico George 3º, Alfred e Octavius, morreram após a inoculação.

Porém, considerando o alto índice de mortalidade por varíola, que pode chegar a 20–30%, muitos optaram por correr o risco e a prática se espalhou pela aristocracia.

Mortes de monarcas

Monarcas como o imperador russo Pedro 2º e o rei francês Luís 15 perderam a vida para a varíola.

Na verdade, após a morte de Luís 15, em 1774, o novo rei Luís 16 e seus irmãos foram imediatamente vacinados.

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Inoculação na França foi proibida por algum tempo, mas filósofos como Voltaire e Diderot a promoveram

Os governantes da época não propunham tornar a inoculação obrigatória, não apenas porque alguns médicos e clérigos eram extremamente críticos da prática, mas também porque ela era cara.

Em meados do século 18, o médico Robert Sutton e seu filho, Daniel, tornaram a inoculação mais segura e quase indolor com o uso de uma lanceta.

Daniel Sutton e seus sócios logo a transformaram em um negócio de franquia, expandindo-se para outros países europeus e para a América. Ele inoculou pessoalmente 22 mil pessoas entre 1763 e 1766, três das quais morreram.

Infelizmente, para os inoculadores, uma descoberta em 1796 acabou com seus negócios para sempre. Foi um evento revolucionário que alterou fundamentalmente a história da medicina e da humanidade.

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Tirinha francesa retrata inoculadores e vacinadores

Varíola bovina

Tudo começou quando o médico britânico Edward Jenner (1749–1823) se interessou por rumores que circulavam pelos vilarejos de Gloucestershire.

Trabalhadores que contraíram varíola bovina, que não é perigosa para os humanos, pareciam estar imunes à varíola.

Para constatar isso, Jenner usou pus de lesões de varíola bovina de uma ordenhadora, chamada Sarah Nelms, e as esfregou em um corte no braço de um menino de oito anos, James Phipps.

O menino não adoeceu, sofrendo apenas de dor de cabeça e perda de apetite por um tempo.

Seis semanas depois, Jenner inoculou o menino com varíola humana, que não produziu efeito. James Phipps foi subsequentemente inoculado com varíola mais de 20 vezes em intervalos diferentes, mas não teve nenhum sinal da doença.

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Edward Jenner testou vacinação e publicou um estudo que tornou esta nova prática conhecida mundialmente

Quando Jenner decidiu publicar os resultados de suas experiências em um livreto, The Study of the Causes and Effects of… The Cowpox (“O Estudo das Causas e Efeitos da… Varíola Bovina”, em tradução livre), a Real Sociedade de Londres (uma sociedade científica nacional) se recusou a ajudá-lo.

Castigo de Deus

Vários líderes religiosos acreditavam que a varíola era uma punição de Deus e não deveria ser tratada. Alguns médicos se opuseram ao conceito de vacinação de Jenner.

Foi nessa época que o movimento antivacinação começou a surgir, opondo-se aos Jennerites — seguidores do médico. As partes em conflito publicaram panfletos e tentaram usar jornais e tirinhas para ridicularizar seus oponentes.

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Jenner vacina James Phipps, enquanto ordenhadora Sarah Nelms fica nas proximidades

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Entre os líderes proeminentes dos antivaxxers estavam os médicos Benjamin Moseley e William Rowley. Sua oposição não era apenas ideológica. Para esses médicos, a proliferação da vacinação em massa significou uma perda de receita com a inoculação que praticavam em pacientes ricos.

Benjamin Moseley (1742–1819) juntou-se à luta contra a vacinação em 1799 e tentou convencer o Parlamento a rejeitá-la durante seus discursos em 1802 e 1808.

Moseley chamou a varíola bovina de “sífilis do boi”, brincando com a repulsa de alguns cidadãos que não gostaram do fato de seus filhos serem vacinados com fluido do corpo de um animal. Na verdade, ele equiparou a vacinação à disseminação de doenças sexualmente transmissíveis e zoofilia (atração sexual de um ser humano por um animal não humano).

Ele também sugeriu que as pessoas vacinadas poderiam ter cabelo de vaca ou sua cabeça assumiria a forma de um touro. Previu também a propagação da coqueluche e da insanidade.

Moseley até mencionou o mito de Pasífae, a rainha cretense que havia sido amaldiçoada por Poseidon e acasalada com um touro, dando à luz a Minotauro — um monstro metade homem metade touro.

Suas opiniões foram brilhantemente capturadas pelo artista britânico James Gillray (1756–1815) em uma tirinha intitulada “The Cow-Pock, or the Wonderful Effects of the New Inoculation!” (“A Varíola Bovina, ou os maravilhosos efeitos da nova inoculação!”, em tradução livre).

Ela mostra Jenner fazendo um corte com uma lanceta no braço de uma mulher. Pacientes correm com cabeças de touro brotando de diferentes partes do corpo, mas Jenner não se importa. Há uma pintura na parede que mostra a adoração de uma vaca, aludindo à história bíblica da adoração do Bezerro de Ouro.

Um defensor da vacinação, o médico e botânico inglês John Thornton respondeu com o tratado “Dr. Moseley’s Prophecies” (“Profecias do Dr. Moseley”, em tradução livre). Ele ridicularizou os argumentos de Moseley sobre possíveis mutações de pessoas vacinadas e suas referências ao mito de Pasífae. Thornton acreditava que o líder antivax deveria ser responsabilizado por cada morte resultante de seus esforços para espalhar o medo.

Proibição de inoculação

No mesmo ano, outro apoiador de Jenner, o médico suíço Jean de Carro, que espalhava a vacina na Áustria e no Leste Europeu, pediu a proibição da inoculação em favor da vacinação.

Em 1805, William Rowley publicou o tratado: “Cow-Pox Inoculation: No Security Against Small-Pox Infection” (Inoculação de varíola: Sem segurança contra a infecção por varíola). O médico argumentou que o uso de varíola bovina era uma violação da religião sagrada. Ele usou ilustrações de um menino cujo rosto tinha grandes hematomas e uma menina coberta de sarna, abscessos e úlceras, chamando-os de vítimas de vacinadores.

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“Vaccination Monster” (1802) de Charles Williams retrata apoiadores de Jenner alimentando bebês para o monstro das doenças, e antivaxxers que estão prontos para defender a humanidade com armas em suas mãos

Em 1807, o antivaxxer John Smyth Stewart publicou um panfleto intitulado “30,000/ for the Cow-Pox!” (“30.000 / para a Varíola Bovina”). A tirinha no panfleto mostra Jenner e seus apoiadores com chifres e rabos. Eles estão alimentando bebês para uma fera enorme, que representa todos os problemas e doenças perigosas da humanidade. O terrível monstro defeca bebês, e Thornton, o apoiador de Jenner, os joga em uma pilha de esterco de animal.

Não muito longe deles, há um memorial na foto que contém os nomes de médicos que se opunham à vacinação: Benjamin Moseley, Robert Squirrel, William Rowley, John Birch, George Lipscomb. Médicos com espadas nas mãos, prontos para proteger a humanidade da vacinação, marcham nas proximidades.

‘Comportamento rude’

“Ouvi de… uma criança em Peckham (que), depois de ser inoculada com varíola bovina, teve sua antiga disposição natural completamente mudada para a brutal, de modo que correu de quatro como uma besta, berrando como uma vaca e atacando como um touro”, escreveu Smyth Stewart.

Ele estava preocupado com o fato de que a vacinação tornaria bebês inocentes espiritualmente incapazes de entrar no Reino dos Céus.

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Filho do rei George 3º, Frederick, o duque de York, tornou a vacinação obrigatória no Exército britânico durante as Guerras Napoleônicas

Doenças vacinais

Na verdade, várias doenças podiam ser transmitidas durante a vacinação naquela época, pois não havia desinfecção de instrumentos médicos e os médicos acreditavam que a propagação da doença se devia ao miasma, ou seja, ao ar ruim. A descoberta de microrganismos causadores de doenças e o surgimento da cirurgia anti-séptica ainda não haviam acontecido.

Mas era a época das Guerras Napoleônicas e o país precisava evitar uma nova epidemia de varíola, que poderia atingir o Exército com a mesma força que o inimigo. Jenner recebeu o apoio da família real e, em 1802, o Parlamento concedeu ao médico um prêmio de 10 mil libras.

Vacinação do Exército

Instado pelo príncipe Frederick, duque de York, que comandou o Exército britânico de 1795 a 1827, a vacinação tornou-se obrigatória nas Forças Armadas em 1800. Seu irmão, o futuro rei William 4º, fez o mesmo na Marinha.

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Tratamento de pacientes com varíola, desenho de 1820

A gravidade da propagação da varíola na época está registrada em um documento das Vacinações e Inspeções de Recrutas das Guardas de Cavalo Reais para 1817–1851.

Ele dizia que dos 476 recrutas examinados, sendo que a maioria — 262 — tinha cicatrizes específicas de varíola, 138 recrutas tinham marcas de inoculação em seus braços e outros nove em outras partes do corpo. Sessenta e cinco homens foram vacinados por Jenner. E apenas um recruta entre 476 não havia sido inoculado ou vacinado e nunca havia contraído varíola.

Vitória dos vacinadores

Em 1801, a vacinação de Jenner chegou ao Império Russo, e em 1814, ele se encontrou pessoalmente com o imperador Alexandre 1º. A Comissão da Vacinação contra a Varíola surgiu no país no ano seguinte. No entanto, a vacinação não ganhou força na Áustria-Hungria e no Império Russo, ao permanecer opcional até a queda de ambos os impérios.

O presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, apoiou a vacinação em 1806. E sete anos depois, a Agência Nacional de Vacinas foi criada no país.

Após algum tempo, ficou claro que a vacinação contra a varíola com varíola bovina não conferia imunidade vitalícia, e a revacinação era realizada a cada 10 anos.

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Antivaxxers tentaram combater vacinação com desenhos como este, em que o médico usa uma lanceta para fazer vários cortes no rosto do paciente antes da vacinação

Mas ela teve um impacto: 7.858 mortes por varíola foram registradas em Londres na década de 1810, em comparação com 18.447 na década de 1790, segundo dados oficiais da época.

Os oponentes de Jenner culparam a vacinação por tudo, desde queda de cabelo e miopia ao crescente pessimismo e declínio da arte e da literatura. Mas eles acabaram derrotados.

Lutando contra a ‘tirania médica’

Em 1840, a inoculação foi proibida na Grã-Bretanha, e a vacinação tornou-se gratuita. Inicialmente, ela não era obrigatória.

A Lei de Vacinação aprovada na Grã-Bretanha em 1853 previa que as crianças deveriam ser vacinadas durante os primeiros três meses de vida, ou os pais poderiam ser multados ou presos. A vacinação tornou-se, assim, obrigatória pela primeira vez.

Essa lei significou que o Estado estendeu seus poderes ao setor de saúde pública. O direito dos pais de escolher vacinar seus filhos era limitado para garantir a saúde da sociedade como um todo.

No início da década de 1860, apenas dois terços das crianças haviam sido vacinadas e não havia punição para os pais de crianças não vacinadas.

A oposição à nova legislação surgiu quase imediatamente. Já em 1854, o hidropata (defensor do tratamento da água) John Gibbs publicou um panfleto “ Our Medical Freedoms” (“Nossas Liberdades Médicas”, em tradução livre) — o primeiro trabalho contra a vacinação obrigatória.

O Estado abriu centros de treinamento de vacinas e tentou controlar a qualidade da linfa usada para a vacinação.

Epidemia de varíola

Entre 1864 e 1868, outra epidemia de varíola varreu o país e os pais que não vacinaram seus filhos foram punidos.

A nova lei de 1867 introduziu a vacinação obrigatória de todas as crianças com menos de 14 anos e levou à mobilização de oficiais de vacinação.

A legislação permitiu que pais de crianças não vacinadas fossem multados. As multas não eram mais únicas para cada criança não vacinada, mas repetidas — impostas continuamente até que a criança finalmente recebesse a vacina. A prisão era uma punição alternativa, e a pena também poderia ser estendida se a criança não tivesse sido vacinada.

Ligas antivacinação apareceram nas cidades britânicas. Elas exigiam a abolição da vacinação obrigatória e propunham medidas sanitárias, como isolar os pacientes com varíola e todos os seus contatos.

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“A tragédia da varíola bovina”, tirinha de George Krukshenko dedicada aos apoiadores de Edward Jenner

Em 1866, Richard Gibbs (1822–1871), um homeopata irlandês e primo de John Gibbs, fundou a primeira Liga Anti-Vacinação em um distrito de Londres, com o objetivo de derrubar a ‘tirania médica’. Em 1870, reunia mais de 100 filiais, 10 mil membros e 200 mil simpatizantes.

‘Liberdades civis’ para crianças

Richard Gibbs exortou os pais “a irem para a prisão, em vez de se submeterem à inoculação de seus filhos indefesos com escrófula, sífilis e mania”.

William Hume-Rotherie, um líder da antivacinação na década de 1870, insistiu que, mesmo que a vacinação fosse uma boa ideia, “não deveria ser promovida pelo Estado”.

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“Melhor não vacinar do que vacinar com vírus impuro” por Joseph Keppler (1838–1894).

“Quanto às crianças. Se os pais não podem fazer o que acham que é certo para seus filhos, então as liberdades civis estão chegando ao fim”, escreveu ele em ‘’Vaccination and Vaccination Laws’ (Vacinação e Leis de Vacinação”).

Na maioria dos casos, a vacinação ocorreu sem problemas. Mas houve incidentes de infecção de outras doenças.

Por exemplo, houve dois casos de transmissão de sífilis da linfa de uma pessoa doente para pessoas saudáveis durante a vacinação em 1871. Os antivaxxers usaram ativamente a possibilidade de transmissão da doença durante a imunização como argumento contra ela.

Já em 1810, o cirurgião italiano Gennaro Galbiati sugeriu tomar linfa diretamente de vacas para evitar a sífilis. Mas essa iniciativa se tornou difundida apenas no final do século 19. Em 1881, o governo britânico começou a produzir centralmente uma vacina feita da linfa de vaca.

Recusa de vacinação obrigatória

Os jornais da época relatavam casos de recusa à vacinação, às vezes por recomendação de médicos.

“‘Edward Irons foi intimado por negligenciar o cumprimento de uma ordem de vacinação de seu filho, de dois anos. Ele disse que tinha uma objeção de consciência em obedecer à Lei de Vacinação, e também estava agindo sob o conselho de seu médico, que afirmou que a vacinação não era favorável à saúde da criança, nem a beneficiaria”, noticiou o jornal The Leicester Mercury em 1884.

“Um de seus filhos foi vacinado e sofreu muito com as consequências, por isso ele (Irons) não podia permitir que o menino corresse o mesmo risco”, acrescentou o diário.

A cidade de Leicester era então um dos centros do movimento anti-vacinação na Inglaterra. Dezenas de milhares de moradores irritados se reuniram nas ruas e queimaram a Lei de Vacinação. O maior protesto em março 1885 reuniu 80 mil pessoas — elas carregavam cartazes anti-vacinação, caixões de crianças e um boneco queimado representando Edward Jenner.

Milhares de moradores da cidade estavam sob investigação por se recusarem a vacinar crianças.

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No final do século 19 e início do século 20, Leicester foi o centro do movimento antivacinação na Grã-Bretanha. Foto de Leicester, 1904

Em 10 de junho de 1884, o The Leicester Mercury escreveu assim sobre a multidão que saudou dois homens e uma jovem mãe que decidiu ir para a prisão por impedir a vacinação de seus filhos:

“A maior simpatia foi expressa pela pobre mulher, que aguentou bravamente e, embora parecesse questionar sua posição, expressou sua determinação de ir para a prisão repetidas vezes, em vez de entregar seu filho às “ternas misericórdias” de um vacinador público. Os três foram assistidos por uma multidão numerosa e… três vivas calorosas foram dadas a eles, que foram renovadas com maior vigor quando entraram pelas portas das celas da polícia.”

Isolamento

Os antivaxxers de Leicester, liderados pelo engenheiro sanitário John Thomas Biggs, tentaram introduzir o isolamento dos pacientes e medidas sanitárias, estabelecer a área de propagação da doença e construir esgotos confiáveis como alternativa à vacinação.

Em 1880, a Sociedade de Londres para a Abolição da Vacinação Obrigatória foi fundada e, em 1896, tornou-se a Liga Nacional Anti-Vacinação. A entidade reunia intelectuais londrinos, que defendiam a “cura natural” e a homeopatia, e a classe trabalhadora das cidades industriais, que acreditava que a vacinação era outro elemento de opressão do Estado e da classe dominante.

O empresário William Tebb (1830–1917) foi um dos líderes da organização. Ele próprio foi multado 13 vezes por se recusar a vacinar sua terceira filha. Tebb concentrou esforços em atrair membros do Parlamento para o movimento antivacinação e chegou a criar um jornal, o periódico Vaccination Inquirer, para disseminar suas ideias.

Em 1888, Jacob Bright, parlamentar de Manchester, tentou aprovar um projeto de lei para revogar a Lei de Vacinação, mas não angariou apoio. Em vez disso, foi criada a Comissão Real, que ouviu os argumentos de vacinadores e antivacinadores por sete anos até 1896.

‘Veneno Animal’

Entre os líderes antivacinas da época estavam médicos como o cirurgião William Collins, que considerava a vacinação um ‘veneno animal’ desconhecido, e Charles Creighton, que chamava a vacinação de envenenamento do sangue, negava a existência de germes e continuava insistindo que a doença era causada por ‘ar ruim’.

Francis Newman, professor de latim na Universidade College London, redigiu as visões dos anti-vaxxers de seu tempo de forma precisa. Ele escreveu no Vaccination Inquirer:

“O Parlamento não tem o direito à agressão, qualquer que seja o pretexto da Saúde Pública; nem qualquer outro contra o corpo de uma criança saudável. Proibir a saúde perfeita é uma maldade tirânica, tanto quanto proibir a castidade ou a sobriedade. Nenhum legislador tem esse direito. A lei é uma usurpação insuportável, e cria o direito de resistência”.

Apenas dois dos 15 membros da Comissão Real eram contrários à vacinação, então a maioria de seus membros decidiu por continuar a imunização obrigatória em 1896.

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“Triunfo dos oponentes de Jenner”: a revista satírica Punch reagiu à nova lei de 1898 com esta tirinha

Certificados de isenção

A Lei de Vacinação de 1898 aboliu formalmente a natureza obrigatória da vacinação, mas para impedir que os filhos fossem imunizados os pais tinham que obter da Justiça um certificado de isenção de vacinação. Na verdade, os juízes sabotaram a implementação da lei. Assim, em 1906, apenas 40 mil recém-nascidos receberam o certificado. Ao mesmo tempo, a lei proibiu a vacinação mão a mão da linfa humana e a substituiu pela linfa de vaca para prevenir a transmissão da sífilis e da hepatite.

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Prêmio Nobel de Literatura (1925) George Bernard Shaw foi um dos antivaxxers mais famosos do início do século 20

Mesmo assim, os antivaxxers continuaram a lutar. Eles encontraram apoio entre celebridades como o naturalista britânico Alfred Wallace e o escritor George Bernard Shaw, que acreditava que a vacinação era “esfregar resíduos de uma pá em uma ferida”. Shaw mais tarde recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, apoiou o stalinismo e negou a existência do Holodomor (Fome-Terror ou Grande fome) na Ucrânia.

O governo reconheceu que os juízes estavam sabotando a lei. Em 1907, uma nova lei foi adotada especificando que um pai poderia prevenir a vacinação de seu filho se declarasse dentro de quatro meses que uma vacina poderia prejudicar a saúde dele.

Estados Unidos

A luta entre vacinadores e antivaxxers continuou ao mesmo tempo nos Estados Unidos.

Em 1855, o Estado americano de Massachusetts abriu um precedente ao introduzir a vacinação obrigatória de crianças em idade escolar. Em 1879, após a visita do líder antivax britânico William Tebb, foi formada a Liga Americana Anti-Vacinação.

O confronto de longa data entre vacinadores e antivaxxers nos Estados Unidos resultou em um veredito da Suprema Corte dos EUA em 1905 em uma ação movida pelo pastor sueco-americano Henning Jacobson, que se recusou a vacinar crianças e pagar uma multa, contra o Estado de Massachusetts.

Os juízes decidiram que qualquer Estado poderia introduzir a vacinação obrigatória se a legislatura estadual decidisse que seria a melhor maneira de prevenir a propagação da varíola e proteger a saúde pública. As crianças poderiam ser isentas da vacinação obrigatória se ela não violasse os direitos de proteção dos adultos.

O lugar da vacinação contra a varíola na história

A vacinação contra a varíola teve um grande impacto na história da humanidade.

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O Teatro Francês convertido em um hospital militar em Paris, The Illustrated London News, 18 de fevereiro de 1871

Exércitos francês e alemão

O Exército francês foi atingindo em cheio pela epidemia de varíola quando a Guerra Franco-Prussiana estourou em 1870–1871. Dos 600 mil soldados, 124 mil adoeceram e 23 mil morreram por causa da doença.

Claro, esse não foi o único motivo para a derrota dos franceses, mas o Exército alemão perdeu apenas 460 soldados de 950 mil para a varíola, pois as tropas eram constantemente vacinadas e revacinadas.

A guerra resultou na unificação da Alemanha, na queda da monarquia francesa e no aumento da inimizade entre os dois Estados, o que contribuiu para a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.

A Alemanha introduziu a vacinação e revacinação obrigatórias contra a varíola em 1874 e, em 1897, apenas cinco pessoas morreram da doença naquele ano.

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Recrutas do Exército francês sendo vacinados contra a varíola, quadro de Alfred Touchemolin (1829–1907), 1895

A França introduziu a vacinação compulsória contra varíola no Exército imediatamente após sua derrota em 1871.

A Alemanha e a Grã-Bretanha, onde a vacinação contra a varíola era obrigatória, praticamente se livraram da doença antes da Primeira Guerra Mundial. Por outro lado, nos impérios austro-húngaro e russo, a vacinação não era obrigatória e a mortalidade por varíola permaneceu alta.

O triunfo da ciência e o impacto da grande política

No final do século 19, pesquisas do cientista francês Louis Pasteur e de seu rival alemão Robert Koch estimularam o desenvolvimento de vacinas. Eles lançaram as bases da microbiologia, do estudo dos microrganismos e, nas décadas de 1870 e 1880, conseguiram provar ao mundo que as doenças são causadas por micro-organismos e não pelo “ar ruim”.

Pasteur inventou vacinas contra cólera aviária, raiva e antraz. Após um teste bem-sucedido da vacina em um pastor mordido por um cão raivoso em 1885, Pasteur vacinou pacientes de outros países europeus e até mesmo dos Estados Unidos. Em 1886, a vacina salvou a vida de quatro meninos enviados ao cientista do outro lado do Atlântico, mais especificamente do Estado de Nova Jersey.

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Esta tirinha de 1885 reflete a teoria do miasma, mostrando a morte subindo do Central Park de Nova York, cheia de lixo e carcaças de animais, como uma fonte de “ar ruim”

A partir daquele momento, novas vacinas apareceriam quase a cada década.

O espanhol Jaume Ferran testou a vacina contra o cólera em 1885.

Vacinas contra tétano, febre tifóide e tuberculose

As vacinas contra o tétano, febre tifóide e peste surgiram na década de 1890.

As vacinas contra escarlatina, difteria, tuberculose e coqueluche foram desenvolvidas na década de 1920.

E a década de 1930 viu a invenção das vacinas contra tifo e febre amarela.

Para pelo menos parte da população, os cientistas que pesquisaram e desenvolveram as vacinas tornaram-se heróis.

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Louis Pasteur observa seu assistente injetando a vacina contra a raiva. Ilustração da Scientific American, 19 de dezembro de 1885

Nações apoiaram a pesquisa. Na época da luta entre os impérios coloniais, cada Estado preferia ter tecnologia e medicina avançadas que protegessem os Exércitos de perdas não combatentes e reduzissem as tensões sociais.

Brasil

No Brasil, o medo e a desinformação sobre a imunização, além de questões políticas, foram os combustíveis para a chamada Revolta da Vacina, entre 10 e 16 de novembro de 1904.

A rebelião popular contra a vacinação obrigatória da varíola resultou em 945 prisões, 110 feridos e 30 mortos.

O estopim foi a lei nº 1.261, de 31 de outubro de 1904, que dava poderes às autoridades sanitárias como aplicar multas aos que se recusassem a tomar a vacina e exigir um atestado de vacinação para se matricular em escolas, realizar casamentos e viagens, e até para conseguir emprego.

O então diretor-geral de saúde pública do governo federal, o médico sanitarista Oswaldo Cruz, defendia que o imunizante havia sido salvado vidas em diversos países da Europa — o Rio de Janeiro, então capital federal, sofria com o surto de varíola, devido principalmente ao seu crescimento desordenado.

Mas políticos se mostravam contrários à vacinação obrigatória e as pessoas acreditavam, por falta de informação, que a invasão às suas casas se tornaria algo corriqueiro — para vacinar as pessoas, os agentes de saúde tinham autorização para entrar nas casas.

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Revolta da Vacina aconteceu entre 10 e 16 de novembro de 1904

Além disso, assim como nos países europeus, a população não entendia a ciência por trás da vacina: por ser feita a partir do vírus causador da varíola bovina, circulavam boatos de que quem tomasse o imunizante passaria a se parecer com um boi.

Em 10 de novembro, a revolta começou. Ela era liderada pela Liga Contra Vacina Obrigatória, uma organização criada poucos dias antes e encabeçada pelo senador republicano Lauro Sodré.

“Houve de tudo ontem. Tiros, gritos, vaias, interrupção de trânsito, estabelecimentos e casas de espetáculos fechadas, bondes assaltados e bondes queimados, lampiões quebrados à pedrada, árvores derrubadas, edifícios públicos e particulares deteriorados”, noticiou a edição de 14 de novembro do jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro.

Os confrontos com a polícia começaram com uma reunião entre pessoas contrárias à lei, principalmente estudantes.

Durante dias, mais de 2 mil pessoas protestaram e combateram as forças do governo. As lojas fecharam, o transporte público sofreu interrupções.

Além das 945 prisões, 110 pessoas feridas e 30 mortos, cerca de 461 presos foram deportados para o norte e condenados a trabalhos forçados.

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Cartaz da campanha de vacinação soviética em 1920: “Cidadãos! Vacinem-se contra a cólera. A morte só é impotente contra a vacinação”

Comunismo

Depois da Primeira Guerra Mundial e da ascensão do comunismo na Rússia, a luta das ideologias se somou ao cenário. A União Soviética não queria epidemias mortais, pois as pessoas tinham que viver e trabalhar por um “futuro brilhante”, a menos, é claro, que se tornassem inimigas do povo.

A competição entre os blocos capitalista e comunista durante a Guerra Fria levou ao surgimento e à disseminação de novas vacinas. Ambos os partidos se esforçaram para assumir o poder, e isso era impossível sem vencer as doenças que poderiam levar a mídia e a população do bloco inimigo a acreditar que o país era fraco e subdesenvolvido.

Ambos os blocos também participaram de programas de vacinação em países pobres do Terceiro Mundo, já que a disseminação da doença e seu próprio prestígio e influência estavam em jogo.

Campanha global de vacinação da OMS

A história do movimento antivacinação se repetiu. Em 1959, a Organização Mundial da Saúde lançou uma campanha global de vacinação contra a varíola para atingir os países mais pobres da Ásia, África e América Latina. Os médicos novamente tiveram que lutar contra a oposição antivacinação em vários países.

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Filas para receber vacina contra poliomielite após sua invenção em meados da década de 1950

Oposição religiosa

Foi mais difícil para os médicos na Índia e na África Ocidental, onde a oposição antivacina era liderada por líderes religiosos e curandeiros locais. Muitas vezes eles diziam a analfabetos que a vacina havia sido introduzida por estrangeiros e que irritava ainda mais os deuses, que podiam puni-los com varíola.

Acreditava-se, assim, que a deusa hindu Shitala fosse capaz de enviar varíola e outras doenças purulentas, além de curá-las.

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Líderes religiosos indianos intimidaram a população dizendo que a vacinação irritaria a deusa Shitala

O povo iorubá, uma das maiores culturas tradicionais da Nigéria e do Benin, tem um deus da varíola e das doenças infecciosas, Sopona. Os locais acreditavam que, se você irritasse seus sacerdotes, poderia ser vítima de varíola. As sociedades secretas frequentemente abusavam dessa fé para extorquir dinheiro e ameaçar suas vítimas com a maldição de Sopona se elas não pagassem o dízimo.

No início do século 20, o médico local Oguntola Sapara (1861–1935) invadiu uma das sociedades secretas e soube que elas propagavam a doença por meio de partículas de pústula infectadas retiradas de pacientes. Tendo recebido essa informação, a administração colonial britânica proibiu o culto a Sopona em 1907. No entanto, 60 anos depois, os médicos tiveram que superar a resistência de seus apoiadores para realizar uma vacinação bem-sucedida na Nigéria.

Declaração ‘livre de varíola’

Em 1980, a OMS declarou o mundo livre da varíola. Apesar dos apelos para que o vírus seja completamente destruído, suas amostras são armazenadas em dois laboratórios nos Estados Unidos e na Rússia.

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Cartaz pedindo vacinas contra varíola e febre amarela na Nigéria durante os anos 60

Enquanto isso, o movimento antivax não desapareceu no Ocidente. Mas sua voz enfraqueceu no início da Guerra Fria, porque, com a disseminação da educação e o avanço da ciência, cada vez mais pessoas preferiam ser vacinadas.

Os antivaxxers não negavam mais que os germes eram a origem das doenças, como seus predecessores do século 19 haviam feito. Em vez disso, se concentravam na coleta de informações sobre os riscos à saúde de certas vacinas, relatos da mídia e autoridades questionando sua eficácia e expondo as empresas farmacêuticas.

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A vacina do Cutter Laboratories foi retirada dos hospitais americanos

Às vezes, as empresas farmacêuticas forneciam bons motivos para a hesitação à vacinação.

Erros Farmacêuticos

Por exemplo, em 1955, o Cutter Laboratories produziu 120 mil doses de vacina contendo poliovírus vivo, em vez de inativar a poliomielite. A revista científica Journal of the Royal Society of Medicine relatou em 2006 que essas vacinas “causaram 40 mil casos de poliomielite, deixando 200 crianças com vários graus de paralisia e matando 10”. Outros estudos mostraram que 100 crianças sofreram paralisia e quatro morreram.

O Cutter Laboratories foi processado. O júri concluiu que: “a vacina não era comercializável nem adequada para o fim a que se destinava”. Uma indenização financeira foi paga aos que moveram a ação.

O evento a seguir que foi usado por aqueles que se opunham à vacinação foi a campanha de vacinação contra a gripe suína de 1976 nos Estados Unidos.

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Presidente dos Estados Unidos, Gerald Ford, foi vacinado ao vivo pela TV antes da eleição presidencial

Campanha da gripe do presidente Ford dos EUA

Várias centenas de soldados adoeceram com gripe suína em uma base militar de Fort Dix, em Nova Jersey, em fevereiro de 1976. O governo do presidente Gerald Ford (1973–1977) estava preocupado e temia uma pandemia de gripe espanhola, que ceifara centenas de milhares de vidas no país em 1918–1921. A eleição presidencial ocorreria em breve, e Ford decidiu vacinar toda a população para evitar uma catástrofe.

Apesar do fato de que não houve epidemia, a vacinação em massa começou no outono. O próprio presidente Ford foi vacinado ao vivo em 14 de outubro, o que convenceu alguns americanos de que se tratava de um movimento político.

Quando os tabloides noticiaram a morte de três idosos em Pittsburgh após a vacinação, alguns dos vacinados começaram a associar os menores sinais de indisposição ou de suas próprias doenças com o recebimento de uma injeção.

Os tabloides adicionaram lenha à fogueira com manchetes sobre o aumento da mortalidade. O New York Post publicou uma história intitulada “A cena na clínica da morte da Pensilvânia”. A reportagem dizia: “Uma das idosas, Julia Bucci, de 75 anos, estremeceu com a agulha hipodérmica em seu braço, deu alguns passos débeis e caiu morta no chão do posto de saúde. Bem na frente dos olhos de todos.”

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Protestos ocorreram contra o programa de vacinação da gripe suína dos Estados Unidos

Para dezenas de pessoas vacinadas em vários Estados, a vacinação foi mais tarde associada à disseminação da perigosa síndrome de Guillain-Barré. Trata-se de uma condição em que o sistema imunológico ataca o sistema nervoso, causando fraqueza e formigamento nos membros e, no pior dos casos, paralisia.

Mais tarde, os cientistas descobriram que as chances de contrair essa síndrome durante uma infecção por gripe são muito maiores do que após a vacinação.

Desconfiança da vacinação estadual

Depois de vacinar 45 milhões de americanos (22% da população), o processo foi interrompido e o novo governo Carter o abandonou. A vacinação sem epidemia e necessidade, o pânico provocado pelos tabloides e a associação das mortes de idosos à vacina — tudo gerou uma crescente desconfiança nos programas estaduais de vacinação e fortaleceu o movimento antivax.

Mais tarde, houve até vários processos contra o governo de pessoas que tinham a síndrome de Guillain-Barré e acreditavam que sua causa era a vacinação.

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45 milhões de americanos foram vacinados contra a gripe suína antes que o programa dos anos 1970 fosse interrompido

Coqueluche

A introdução da vacinação contra a coqueluche em 1949 desempenhou um papel importante na luta contra a doença, que era uma das principais causas de mortalidade infantil.

A coqueluche é causada pela cocobactéria, que penetra na mucosa do sistema respiratório humano. Após o período de incubação, o patógeno pode causar crises de tosse, náusea e vômito, levando a parada respiratória e cianose (coloração azulada) em bebês. Doenças graves e alta mortalidade estão associadas a essa doença entre bebês não imunizados e, principalmente, crianças de 1 a 5 anos de idade são afetadas.

Nas décadas de 1950 e 1960, a vacinação em massa foi realizada nos países desenvolvidos e a mortalidade por coqueluche caiu 90%. Na década de 1980, cerca de 80% das crianças estavam vacinadas contra a coqueluche, segundo a OMS.

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Vacina contra difteria e tosse convulsa (coqueluche), 1952

A coqueluche foi a principal causa de morte infantil na Grã-Bretanha na década de 1940, antes da invenção da vacina.

A vacinação contra coqueluche mudou até mesmo os intervalos entre as epidemias. O intervalo entre as epidemias aumentou de 2,5 para 4 anos nas principais cidades da Inglaterra e País de Gales na década de 1960.

Pesquisa de efeitos colaterais

Mas em 1974, um artigo vinculou complicações neurológicas em 36 bebês no Great Ormond Street Hospital, em Londres, à vacinação contra a coqueluche. A mídia cobriu amplamente o assunto, dando uma plataforma para os pais que creditaram à vacinação o aparecimento dos problemas de saúde de seus filhos, que começaram na longínqua década de 1950. Nos três anos que se seguiram, a proporção de vacinados contra a coqueluche caiu de 77% para 33%.

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Vacina contra difteria, tétano e coqueluche foi administrada em todo o mundo, como visto aqui na Tailândia na década de 1950

Ao mesmo tempo, Gordon Stewart, professor de Medicina da Universidade de Glasgow, na Escócia, disse que o efeito protetor da vacina era insignificante e não excedia o perigo de seu uso. Ele era um conhecido cientista que trabalhou por algum tempo com Alexander Fleming, o inventor da penicilina, e sua opinião era, por isso, muito importante. Stewart também fazia campanha para reduzir o uso de antibióticos desde 1960.

Em 1977, ele escreveu um artigo propondo que a vacina causava encefalopatia, que prejudicava o cérebro de uma criança, e insistindo que era mais seguro ter coqueluche do que receber o imunizante.

Queda da taxa de vacinação

Apesar de outros cientistas terem argumentado que a vacina ajudou a reduzir o número de casos e de o governo do Reino Unido ter se recusado a retirá-la de circulação, houve uma queda nas taxas de vacinação e uma epidemia.

Em 1981, um estudo mostrou que o risco de distúrbios neurológicos persistentes ao usar a vacina contra difteria e coqueluche tifóide (DTP) era extremamente baixo e representava apenas 1 em 310 mil casos. O governo de Margaret Thatcher retomou uma campanha ativa de vacinação. O príncipe William foi uma criança vacinada com grande publicidade.

No início da década de 1990, a vacinação na Grã-Bretanha novamente excedeu 90%.

No entanto, as críticas à vacina levaram a surtos de coqueluche no Reino Unido, Suécia, Japão, Austrália e Itália. Na Suécia, o governo impôs uma moratória ao uso da vacina DTP, que durou até 1996. Como resultado, 60% das crianças no país com menos de 10 anos contraíram coqueluche nessa época.

Em 1998, um grupo de cientistas publicou uma pesquisa no periódico científico The Lancet que provou que os países que mantiveram altos níveis de vacinação (EUA, Polônia e Hungria) tiveram incidência 10 a 100 vezes menor de coqueluche do que os países onde os movimentos antivacinação foram bem-sucedidos. (Suécia, Japão, Reino Unido, Austrália e Rússia).

Sarampo, Dr. Wakefield e celebridades

A internet e a globalização tornaram mais fácil para os movimentos antivacinação espalharem suas ideias e ganharem o mundo sem a necessidade de construir uma organização centralizada.

As redes sociais criaram uma oportunidade para disseminar informações imprecisas ou não comprovadas, atrair apoiadores e semear o medo ao focar nos efeitos colaterais das vacinas.

Afinal, não é a educação, a experiência médica ou a formação científica que realmente importam nessas plataformas, mas o número de usuários e a capacidade de convencê-los.

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Movimento antivacinação se baseia na desacreditada pesquisa do médico Andrew Wakefield, que falsamente relacionou a vacina contra sarampo, caxumba e rebelde ao autismo em crianças

O movimento antivax foi muito inspirado pela publicação de um estudo agora desacreditado pelo médico britânico Andrew Wakefield, que em 1998 ligou a vacina Tríplice Viral (MMR) — para proteção contra sarampo, caxumba e rubéola — ao crescimento do autismo em crianças.

A Tríplice Viral é usada desde 1971 e vital para prevenir a propagação dessas doenças. De acordo com o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC), antes da introdução da vacinação global, 2,6 milhões de pessoas morreram de sarampo em 1980. Em 2012, o número era de 122 mil.

Artigo de Wakefield de 1995 sobre a Tríplice Viral

Em 1995, Andrew Wakefield, professor e consultor em gastroenterologia em uma escola de medicina em Londres, publicou um artigo na principal revista médica The Lancet, dizendo que a vacina contra o sarampo poderia causar a doença de Crohn (inflamação dos intestinos). Pesquisadores criticaram sua metodologia e descobriram que nem o sarampo nem a vacina contra o sarampo causaram a doença.

Em 1998, o artigo de Wakefield no The Lancet teve colaboração de outros 11 pesquisadores, ligando a Tríplice Viral ao aumento do autismo.

Em 2001, Michael Gershon, professor de patologia e biologia celular da Universidade de Columbia nos Estados Unidos, conhecido como o pai da neurogastroenterologia, questionou as descobertas de Wakefield e chamou sua pesquisa de ‘lixo’.

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Uma série de investigações do jornalista Brian Deer (à direita) revelou a motivação financeira para a pesquisa de Wakefield (à esquerda)

O jornalista britânico Brian Deer, em uma reportagem investigativa para o jornal The Sunday Times e o periódico científico British Medical Journal, descobriu que Wakefield tinha um conflito de interesses durante sua pesquisa. A escola onde Wakefield trabalhava recebeu contribuições de um advogado empregado pela organização antivacinação JABS e estava interessada em minar a credibilidade da vacina.

Deer também escreveu que Wakefield fundou uma empresa com o nome de sua esposa e queria desenvolver suas próprias vacinas, kits de teste de diagnóstico e outros produtos médicos que só teriam sucesso se a credibilidade da Tríplice Viral fosse prejudicada.

O cientista e seus assistentes haviam calculado anteriormente que a receita com testes diagnósticos apenas para o terceiro ano do projeto seria de até US$ 43 milhões por ano.

É assim que o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) descreve o caso de Wakefield:

“Sua promessa de interromper a distribuição da vacina MMR recebeu muita atenção da mídia. Em 2004, foi descoberto que o cientista tinha interesses financeiros em fazer essa afirmação. Um advogado que pretendia processar os fabricantes de vacinas o contratou e recrutou as crianças para o estudo. Além disso, os dados foram falsificados: ao contrário do início dos sintomas relatados após a vacinação, algumas das crianças já apresentavam sintomas antes de serem vacinadas.”

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Publicação de Wakefield contribuiu para rejeição da vacinação contra o sarampo

Em janeiro de 2010, o Conselho Médico Geral do Reino Unido considerou Wakefield culpado de desonestidade e irresponsabilidade e de realizar procedimentos de que seus pacientes não precisavam (por exemplo, o médico realizou uma colonoscopia em crianças que os colegas julgaram desnecessária).

O British Medical Journal escreveu que Wakefield era “culpado de cerca de 30 acusações, incluindo quatro de desonestidade e 12 de fazer com que crianças fossem submetidas a procedimentos invasivos que eram clinicamente injustificados”.

A publicação de Wakefield foi finalmente removida da Lancet.

Andrew Wakefield na berlinda

Os dados do estudo de Wakefield, publicados posteriormente, não revelaram distúrbios intestinais nos jovens participantes de sua pesquisa, ao contrário do que ele alegou.

Em maio de 2010, Wakefield teve seu registro médico cassado e foi proibido de praticar medicina no país.

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, ele disse: “Pareceu-me que eles haviam tomado essa decisão há muito tempo, muito antes de as evidências serem ouvidas com justiça. Essa é a forma como o sistema lida com a dissidência. Você é isolado, desacreditado e se torna um exemplo para outros médicos e cientistas não se envolverem neste tipo de coisa. Ou seja, examinar questões de segurança de vacinas.”

Surtos de sarampo

No entanto, desde a publicação do artigo de Wakefield, as taxas de vacinação contra o sarampo caíram drasticamente em vários países. Em 2008, houve um surto de sarampo no Reino Unido.

Nos Estados Unidos, onde a vitória sobre o sarampo foi declarada em 2000, os surtos recomeçaram a partir de 2005, afetando grupos de pessoas que frequentemente se recusavam a ser vacinadas por causa de suas crenças religiosas, como a comunidade Amish em 2014–2015, e aqueles que ficaram assustados com a suposta ligação com o autismo, como a comunidade de imigrantes somalis.

De acordo com a emissora americana CNN, os somalis americanos em Minnesota tiveram alguns dos níveis mais altos de vacinação contra o sarampo até 2008, quando antivaxxers locais realizaram várias palestras com Wakefield sobre autismo no Estado.

As ideias do cientista se tornaram fundamentais para sustentar o argumento dos antivaxxers sobre a vacinação contra o sarampo.

Em 2018–2019, surtos de sarampo atingiram vários países ao redor do mundo, como o Brasil.

As descobertas de Wakefield encontraram eco em algumas celebridades.

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Atriz Jenny McCarthy vinculou publicamente vacina MMR a autismo de seu filho

A estrela da série Baywatch Jenny McCarthy acusou repetidamente a Tríplice Viral de causar o autismo de seu filho — em seus próprios livros e em entrevistas em programas de TV, defendendo Wakefield.

Ao mesmo tempo, ela negou ser uma antivaxxer.

“Ela não tem ideia do que está falando. O que ela disse é enganoso e prejudicial, e o surto de sarampo é uma indicação clara da resposta à disseminação de tais mitos pseudocientíficos”, escreveu o psiquiatra americano Jeffrey Lieberman em um artigo de 2015 no Medscape.

Wakefield agora mora nos Estados Unidos e está fazendo documentários condenando a vacinação. Em 2016, seu filme Vaxxed: From Cover-Up to Catastrophe (Vacinado: Do acobertamento à catástrofe) seria exibido no Festival de Tribeca, cofundado pelo ator Robert De Niro. Houve indignação pública, e De Niro, cujo filho é autista, por algum tempo defendeu a decisão de exibir o filme. Por fim, o festival se recusou a exibi-lo.


Movimentos antivacinação hoje

Os movimentos antivacinação continuam a se concentrar nos chamados efeitos colaterais das vacinas. Eles se baseiam em pesquisas de médicos que desafiam a visão tradicional de que a imunização protege os pacientes.

Hoje, os benefícios das vacinas na prevenção de novos surtos e redução de mortes costumam ser regularmente ignorados pelo movimento antivacinação mesmo em face de evidências científicas esmagadoras.

Originally published at https://www.bbc.com on January 15, 2022.

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