SUS precisa melhorar a eficiência e qualidade do gasto — Alta e média complexidade tem uma ineficiência de 66%. 

Já a Atenção Primária tem uma eficiência de 68% (2017)


Esta é uma republicação do paper abaixo, com o título acima.

Eficiência e sustentabilidade do gasto público em saúde no Brasil

A atenção primária à saúde (APS) do SUS tem eficiência de 68% (2017), enquanto a alta e média complexidade tem eficiência de 34% — ou seja 66 % de ineficiência

Edson C. Araujo[1], Maria Stella C. Lobo[2], André C. Medici[3]

[1] PhD, Economista Sênior, Banco Mundial.

[2] PhD, Epidemiologista, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva/Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ).

[3] PhD, Consultor Internacional em Economia da Saúde e Desenvolvimento



Efficiency and sustainability of public health spending in Brazil




RESUMO

Objetivo:

Este artigo discute questões relativas à eficiência e à sustentabilidade do gasto público com saúde no Brasil. A despeito das conquistas das últimas décadas, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta desafios estruturais com consequências no acesso aos serviços públicos de saúde e na proteção financeira da população.

Métodos: O artigo traça um breve panorama do financiamento da saúde no Brasil nos últimos 10 anos e apresenta análise da eficiência do gasto público em saúde utilizando modelos de análise envoltória de dados (data envelopment analysis — DEA) para os gastos com o SUS nos de 2013 e 2017.

Resultados:

Do ponto de vista do financiamento do sistema público de saúde, persiste o paradoxo de que o Brasil gasta pouco, mas gasta mal.

Os gastos públicos com saúde são relativamente menores que os observados em países com sistemas de saúde com caraterísticas semelhantes, porém os gastos públicos per capita crescem a taxas maiores do que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

Do ponto de vista da eficiência, a análise demonstra que há potencial de aumentar a eficiência do SUS.

Apenas em 2017 essas ineficiências somavam R$ 35,8 bilhões.

De forma geral,

· a atenção primária à saúde (APS) do SUS tem eficiência maior (63% e 68% em 2013 e 2017)

· do que a atenção de alta e média complexidade (MAC) (29% e 34% nos mesmos anos, respectivamente).

Conclusão:

Melhorar a eficiência do gasto público com saúde é particularmente importante no contexto atual de baixo crescimento econômico e fortes restrições fiscais no ambiente pós-pandemia.

Ganhos de eficiência podem ser alcançados com:

1. ganhos de escala na estrutura e operação dos hospitais,

2. integração do cuidado em redes de atenção à saúde,

3. aumento da densidade e melhor distribuição da força de trabalho em saúde,

4. mudança nos mecanismos e incentivos para vincular os pagamentos aos provedores e profissionais aos resultados de saúde, tendo a APS como organizadora do sistema,

5. inovações na gestão dos provedores de serviços de saúde, com ênfase em modelos de parcerias público-privadas (PPPs). A consolidação do SUS depende de políticas públicas que melhorem a eficiência e a qualidade dos serviços prestados à população.


ABSTRACT

Objective:

This paper discusses issues related to the efficiency and sustainability of public spending on health in Brazil. Despite the achievements of recent decades, the Unified Health System (SUS) faces structural challenges with consequences on the access to public health services and on the financial protection of the population.

Methods:

The paper provides a brief overview of the public healthcare financing in Brazil over the last ten years and presents an efficiency analysis of the SUS public health spending, using data envelopment analysis (DEA) models for the years of 2013 and 2017.

Results:

In terms of public spending, the paradox that Brazil spends little but poorly on health still persists. Public expenditures on health are relatively lower than those observed in countries with health systems with similar characteristics, but public expenditures per capita grow at rates higher than the growth of gross domestic product (GDP) per capita. In terms of efficiency of public health spending, the analysis shows that there is potential to increase the efficiency of the SUS. In 2017, these inefficiencies amounted R$ 35.8 billion. In general, SUS primary healthcare (APS) is more efficient (63% and 68% in 2013 and 2017) than high and medium complexity care (MAC) (29% and 34% in the same years, respectively).

Conclusion:

Improving the efficiency of public spending on health is particularly important in the current context of low economic growth and strong fiscal constraints in the post-pandemic environment. Efficiency gains can be achieved with: (i) scale gains in the structure and operation of hospitals, (ii) integration of care in health care networks, (iii) increased density and better distribution of the health workforce, (iv) change in mechanisms and incentives to link payments to providers and professionals to health outcomes, with the PHC as the organizer of the system, (v) innovations in the management of health service providers, with an emphasis on public partnership models and private companies (PPPs) . The consolidation of the SUS depends on public policies to improve the efficiency and quality of services provided to the population.


Introdução


Nas últimas três décadas, o Brasil construiu e consolidou um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) representou um avanço nas políticas sociais no país, ampliando o acesso a serviços de saúde a milhões de brasileiros até então sem cobertura. A criação do SUS resultou em uma expansão considerável da rede pública de prestação de serviços de saúde, com resultados notáveis em termos de cobertura e acesso aos serviços de saúde e de melhoria dos indicadores de saúde da população brasileira (Gragnolati et al., 2013)[1]. Como resultado, o Brasil alcançou em 2017 a maior cobertura de serviços essenciais de saúde entre os 10 países mais populosos da América Latina, com um índice de cobertura de 79% de sua população (Tabela 1).[2] Um dos pilares da expansão da cobertura por serviços tem sido a atenção primária de saúde (APS) por meio da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Entre 1998 e 2020, o número de equipes de saúde da família (SF) aumentou de 4,0 mil para 43,3 mil.[3] O aumento no número de equipes foi acompanhado por aumento na cobertura da ESF, alcançando 63,6% do total da população brasileira em 2020. Mais recentemente, com os incentivos ao cadastro implementados pelo Programa Previne Brasil, o número de pessoas cadastradas nas equipes de ESF chegou a mais de 145 milhões em 2020.


O aumento da cobertura e do acesso foi, em certa medida, acompanhado pelo aumento da produção de serviços. Considerados os serviços de atenção ambulatorial do SUS, onde está incluído um volume considerável de ações de APS, verifica-se que, entre 2008 e 2016, houve um crescimento de 32% no volume per capita de serviços produzidos, embora tenha ocorrido uma redução de 26,2% entre 2016 e 2020, voltando a produção a níveis anteriores aos do ano 2008 (Gráfico 1). Essa tendência, particularmente no ano 2020, deve ter sido afetada pela crise pandêmica, que resultou em redução da demanda (e da oferta) por serviços de saúde regulares.[4]


No entanto, a expansão da oferta de serviços de saúde não teve efeitos proporcionais na redução dos gastos em saúde das famílias. Recente evidência aponta que, em média, os gastos com saúde respondem por 13,0% do consumo total das famílias, variando entre 12,1% para o decil de consumo mais baixo e 14,0% para o decil mais alto de renda. No orçamento familiar, a saúde corresponde à quarta maior despesa, após habitação (36,6%), transporte (18,1%) e alimentação (17,5%). Araujo e Coelho (2021)[5] utilizaram dados da última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2017–2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para estimar que 33,4% das famílias brasileiras incorrem em gastos catastróficos em saúde (37% entre os mais pobres) e que mais de 10 milhões de brasileiros entram na faixa de pobreza anualmente devido aos gastos diretos com saúde. Isso corresponde a 4,7% da população brasileira, ou seja, representa um percentual maior do que o observado globalmente (2,5%) e/ou entre os países da América Latina e Caribe (1,8%). Esses dados refletem que ainda existem dificuldades de acesso aos serviços de saúde (Gráfico 2).

Tabela 1. Índice de Cobertura Universal de Serviços Básicos de Saúde (UHC-SCI), Países Selecionados da América Latina e Caribe

O UHC-SCI varia de 0 a 100, sendo 0 a ausência de cobertura e 100 a cobertura plena da população. SC-1: saúde reprodutiva, materna, do recém-nascido e da criança; SC-2: doenças infecciosas; SC-3: doenças não comunicáveis (crônicas); SC-4: capacidade dos serviços de saúde; DD: disponibilidade de dados para o cálculo do UHC-SCI. Fonte: World Health Organization (WHO). Disponível em: https://www.who.int/data/gho/indicator-metadata-registry/imr-details/4834

Fonte: Ministério da Saúde Siasus. Disponível em: http://sia.datasus.gov.br/principal/index.php


Gráfico 1. Produção de Serviços Ambulatoriais per capita, Brasil 2008–2020

Fonte: Cálculo dos autores a partir de dados da POF/IBGE 2017/2018.


Gráfico 2. Gastos com saúde e dificuldades de acesso aos serviços


A consolidação do SUS tem sido acompanhada pelo debate sobre qual o nível apropriado de gastos públicos com saúde e qual a eficiência observada no uso desses recursos. O gasto total com saúde no Brasil é comparável à média dos gastos entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2018, o Brasil destinou o equivalente a 9,2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em saúde, enquanto os países da OCDE destinaram, em média, 8,8% (OECD, 2019)[6]. Porém, em 2017, fontes públicas respondiam por 71%, em média, do gasto em saúde nos países da OCDE, enquanto no Brasil as fontes públicas respondiam por apenas 43% dos gastos com saúde. No país, os gastos privados, os pagamentos diretos e os gastos por meio de planos e seguro saúde respondiam por 57% do total das fontes de financiamento da saúde. De acordo com as Contas-Satélite de Saúde do IBGE, em 2017, o gasto per capita das famílias e instituições privadas (incluindo a parcela dedicada aos seguros de saúde) foi 40% mais elevado do que o gasto per capita do governo. Essa diferença entre os gastos per capita públicos e privados tem crescido nos últimos anos, o que indica a tendência de as despesas com saúde no Brasil serem sustentadas com recursos que provêm diretamente dos orçamentos familiares e instituições não governamentais.


Apesar de relativamente menor, o gasto público per capita tem mantido trajetória de crescimento nos últimos anos, com taxas superiores às taxas de crescimento do PIB per capita. O Gráfico 3 mostra que, na série 2011–2020, o crescimento do gasto público em saúde per capita total (incluindo as três esferas de governo) foi sistematicamente superior ao crescimento do PIB per capita, exceto em 2018. Ou seja, a expansão do gasto público em saúde ao longo dos últimos anos tem sido maior do que a expansão da economia brasileira.


Apesar dos esforços para consolidar um sistema de saúde público universal, o Brasil ainda enfrenta enormes desafios para alcançar o equilíbrio entre um nível adequado de gastos (públicos) e melhores resultados dos recursos investidos no sistema público de saúde. Em um contexto de restrições fiscais, a discussão sobre como melhorar a qualidade do gasto público com saúde é essencial para consolidar os ganhos obtidos nas últimas décadas. Essa discussão deve considerar mecanismos que evitem desperdícios e aumentem a eficiência, o que significa melhorar a gestão e os processos de trabalho no setor, além de criar incentivos subjacentes a pacientes, gestores, profissionais e provedores.

Este artigo discute a importância de uma agenda de eficiência para garantir a sustentabilidade do gasto público com saúde no Brasil. Os desafios serão ainda maiores com a tendência de aumento dos gastos com saúde pela incorporação tecnológica no setor e pela mudança no perfil demográfico e epidemiológico, que criam tendência de aumento dos gastos. Este artigo apresenta primeiro um breve panorama do financiamento da saúde no país, com ênfase na composição e na trajetória do gasto público com saúde nos últimos 10 anos. Em seguida, o artigo apresenta e discute uma análise da eficiência do gasto público com saúde no Brasil. Finalmente, o artigo discute políticas de saúde que podem melhorar a eficiência no uso dos recursos públicos da saúde no Brasil.


Panorama do financiamento da saúde no Brasil


Segundo dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos de Saúde (SIOPS) do Ministério da Saúde (MS), estima-se que, em 2020, as despesas em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) nas três esferas de governo alcançaram 4,83% do PIB.[7] O Gráfico 4 mostra que, em 2020, os gastos com saúde alcançaram R$ 358 bilhões, um aumento de 44,3% em relação ao gasto total em 2011 (R$ 241 bilhões), em valores constantes de dezembro de 2020. No entanto, o ano de 2020 foi um ano atípico em razão da pandemia do COVID-19, quando recursos extraordinários foram alocados na resposta à pandemia. Comparando com o período pré-pandemia, 2019 (R$ 304 bilhões), o crescimento chega a 26,2%, um crescimento geométrico anual real do gasto público com saúde de 2,6% ao ano, ao longo do período.


No período entre 2010 e 2019, houve uma redução da participação do gasto federal com saúde na composição do gasto sanitário total, com queda de 3%. Essa redução foi revertida em 2020 com o aumento de recursos federais para a resposta à pandemia, ultrapassando inclusive o percentual de participação observado em 2010 (46% em 2020). Isso se deu pelo papel do governo federal em auxiliar estados e municípios na montagem de infraestrutura, compra de equipamentos, insumos e vacinas para o enfrentamento da pandemia. Considerando todo o período pré-pandemia, a tendência foi de aumento na participação das esferas locais de governo, estados e municípios, destacando-se estes últimos, que, em 2020, contribuíram com 29% dos gastos públicos totais do setor, comparado com os 26% aportados pelas esferas estaduais.


Uma análise mais detalhada dos gastos com saúde federais, utilizando o critério ASPS, permite demonstrar algumas mudanças na composição dos principais grupos de gastos nos últimos 10 anos.[8] As despesas com atenção primária em saúde, por exemplo, aumentaram marginalmente, passando de 18% para 20% dos gastos federais do SUS entre 2012 e 2019 (apesar da queda em 2020, provavelmente em razão da pandemia). Já os gastos com assistência hospitalar e ambulatorial diminuíram, passando de 49% para 44% entre 2012 e 2019, tendo atingido sua menor participação da série em 2020 (33%).[9] Gastos com suporte profilático e terapêutico (incluindo medicamentos) variaram entre 9% e 12% ao longo do período, sem uma tendência definida. Já os gastos com vigilância sanitária e epidemiológica apresentaram variações entre 4,5% e 6,5% ao longo da série, sem também ter uma tendência definida (Gráfico 5).

Fonte: SIOPS. Disponível em: http://antigo.saude.gov.br/repasses-financeiros/siops

Gráfico 3. Crescimento do PIB per capita e gasto público com saúde per capita: Brasil, 2011–2020.

Fonte: Cálculo dos autores a partir de dados do SIOPS/MS. Disponível em: http://antigo.saude.gov.br/repasses-financeiros/siops. * Em R$ bilhões de dez. 2020 deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Gráfico 4. Gastos públicos em saúde no Brasil por esfera de governo, 2010–2020*

Fonte: Cálculo dos autores a partir de dados do SIOPS/MS. Disponível em: http://antigo.saude.gov.br/repasses-financeiros/siops.


Gráfico 5. Distribuição percentual dos gastos federais do SUS segundo componentes de gasto: 2012–2020


Eficiência do gasto público com saúde no Brasil


Estudos que buscam medir a eficiência em saúde geralmente aplicam técnicas de fronteiras de produção, como análise envoltória de dados (DEA) e fronteira estocástica (FE). Essas técnicas buscam estimar uma fronteira que representa o nível máximo de produtos (serviços de saúde produzidos ou resultados de saúde) que podem ser alcançados dada a quantidade de insumos (recursos financeiros e/ou humanos, por exemplo) e tecnologia disponíveis. DEA é técnica não paramétrica que se baseia em programação linear para construir uma fronteira de produção, tendo a vantagem de considerar múltiplos inputs (insumos) e múltiplos outputs (produtos) simultaneamente na estimativa de eficiência. No Brasil, a metodologia DEA tem sido amplamente utilizada para medir eficiência em saúde, como para análise da eficiência do Sistema de Saúde Brasileiro (Pires & Marujo, 2008)[10], hospitais (Lins et al., 2007)[11] e programas públicos de saúde (Afonso & Perobelli, 2018)[12].


Este artigo apresenta resultados de análise de eficiência do gasto público com saúde no Brasil utilizando DEA. Para refletir a organização e o financiamento do SUS, a análise foi desenhada da seguinte forma: (i) Utiliza os municípios como unidade produção (decision making unit, ou DMU). A escolha dos municípios como DMUs segue o arranjo institucional do SUS, descentralizado, que define a atenção à saúde como uma responsabilidade tripartite, sendo os municípios protagonistas na prestação de serviços de saúde e responsáveis pela implementação das principais políticas de saúde; (ii) Dois modelos DEA foram estimados: o primeiro modelo analisa a eficiência no âmbito da APS, considerando insumos e produtos relacionados aos serviços prestados nesse âmbito da atenção à saúde; o segundo modelo analisa a eficiência na atenção de média e alta complexidade (MAC), seguindo a mesma lógica de estimar a eficiência a partir de insumos e resultados relacionados aos serviços prestados nesse nível de atenção. Esses modelos refletem o fato de que esses níveis de atenção são financiados de forma separada e permite examinar até que ponto a eficiência em um nível influência a eficiência do outro; (iii) Ambos os modelos têm orientação do produto (ou resultados). O modelo orientado para o produto foi escolhido devido ao fato de que o objetivo final é maximizar os resultados, ou seja, alcançar o máximo de resultados (de indicadores de saúde e de prestação de serviços de saúde) com os recursos disponíveis; (iv) Os modelos assumem retornos variáveis de escala (RVE). O modelo RVE se justifica, porque as DMUs utilizadas (municípios) são muito diferentes em escala (tamanho da população), o que se reflete nas variáveis utilizadas. Duas variáveis não discricionárias também foram incluídas nos modelos, não específicas do setor de saúde, para controlar pela heterogeneidade sociodemográfica entre as DMUs; (v) Os modelos foram estimados para os anos de 2013 e 2017 para medir a variação de desempenho no período.


A Tabela 2 apresenta a lista de variáveis, insumos e produtos utilizadas para estimar os modelos APS e MAC. Os insumos são gastos públicos com saúde em cada nível de atenção: APS (subfunção 301) e MAC subfunção 302). Esses dois níveis de atenção correspondem a aproximadamente 59% dos gastos públicos totais consolidados com saúde em 2017 (Gráfico 5). Os resultados são divididos em produtos intermediários (ou indicadores de prestação de serviços de saúde, como procedimentos ambulatoriais e cobertura do ESF) e produtos finais (ou resultados de saúde, como mortalidade evitável para diferentes grupos de idade).


A análise da Banco Mundial mostra que há um espaço significativo para tornar o gasto com saúde mais eficiente. Os municípios são consistentemente mais eficientes na prestação de serviços de APS do que de serviços MAC, padrão que é observado entre todas as regiões e tamanhos de município. Em termos regionais, Norte e Nordeste são as regiões mais eficientes na APS e na MAC (pelo menor consumo relativo de insumos). Nacionalmente, o escore médio de eficiência para APS foi de 63% e 68% em 2013 e 2017, respectivamente. O escore médio de eficiência para MAC foi de 29% e 34% em 2013 e 2017, respectivamente. A eficiência está altamente correlacionada com o tamanho populacional do município em ambos os níveis de atenção, demonstrando efeito de escala. O efeito do porte populacional é mais nítido para MAC, quando os escores médios de eficiência mais altos (acima de 60%, em 2017) somente são encontrados nos municípios com mais de 50.000 habitantes (Gráfico 6).


Tabela 2. Variáveis (insumos e produtos) modelos DEA APS e MAC


Fonte: Elaborado pelos autores. Gráfico 6. Eficiência APS e MAC por porte municipal, Brasil 2013–2017


O principal fator determinante observado para a eficiência na APS é o número de equipes da ESF (Banco Mundial, 2017)[13], que tem sido considerado o maior mecanismo utilizado para induzir a expansão da cobertura da APS no Brasil, levando a aumento do acesso, redução das internações desnecessárias e queda da mortalidade (Macinko & Mendonça, 2018)[14]. O Programa Mais Médicos, instituído em 2013, foi capaz de aumentar os cadastros de médicos de “família e comunidade” em 7.000 a partir de 2014, com acréscimo anual de 1.000 médicos nos anos subsequentes (alcançando 30.181, em 2017). Com o fim do programa — a partir de 2018 –, esses valores voltam a se equiparar àqueles de 2014 (em torno de 27.000) (Gomes et al., 2020)[15].


No tocante aos recursos humanos, estudo recente de demografia médica brasileira mostrou que o número de médicos no Brasil praticamente dobrou nos últimos 20 anos, chegando a 2,4 médicos por 1.000 habitantes, embora a grande concentração desses profissionais ainda permaneça nos grandes centros urbanos e no mercado privado (ao passo que a proporção de médicos de família se manteve em 5,0%) (Scheffer et al., 2018)[16].


O desempenho da MAC está diretamente ligado ao escore de eficiência da atenção primária, assim como à organização e ao funcionamento da rede hospitalar do SUS. Hospitais brasileiros operam em pequena escala, dado que 55% dos hospitais têm menos de 50 leitos e aproximadamente 80% têm menos de 100 leitos — em comparação com um tamanho ideal estimado entre 150 e 250 leitos para que se obtenha economia de escala (La Forgia & Coutollenc, 2008)[17]. Deseconomias de escala associadas ao alto número de hospitais de pequeno e médio porte resultam em desperdícios de R$ 7,3 bilhões anuais ao SUS. Estudo do Banco Mundial (2016[18]) que utilizou DEA para analisar a eficiência específica dos hospitais gerais do SUS estimou em 28% o escore médio de eficiência — ou seja, haveria escopo de aumento médio da produção em 72% para que se atingissem parâmetros de melhores práticas com os mesmos recursos. Outros fatores que mostraram influência na eficiência dos hospitais gerais foram: natureza pública, relação médicos e enfermeiros/leito (até 6,5), positivamente associados; média de permanência e densidade de leitos por 1.000 habitantes no entorno, negativamente associados. Este último aspecto indica que a qualidade da atenção hospitalar também depende de organização da rede ao redor, ao promover a articulação entre demanda e oferta de serviços nos diversos níveis de atenção e a estruturação das regiões de saúde. Note-se que a integração entre a atenção primária e demais níveis da atenção implicaria ganhos de 7,7 bilhões ou 0,12% do PIB brasileiro (Banco Mundial, 2017)[19], e o maior gargalo está hoje na entrada da atenção secundária — média complexidade (Lobo & Araújo, 2017)[20].


Melhorar a eficiência do sistema público de saúde significa que recursos escassos poderiam ser economizados e, principalmente, poderiam ser alocados em outros serviços prestados. Distorções na eficiência alocativa têm, entre outros motivos, a pressão sofrida pelos gestores para a tomada de decisão em ambiente com constrição de recursos. Em 2017, 66% e 77% dos municípios realizavam atividades de APS e MAC, respectivamente, em cenários onde o aumento do financiamento poderia vir a propiciar ganho de eficiência. A análise apontou que R$ 35,8 bilhões (32% da despesa federal liquidada na APS e MAC) foram desperdiçados devido a ineficiências na prestação de serviços (R$ 9,5 bilhões na APS e R$ 26,3 bilhões na MAC). Por exemplo, se todos os municípios alcançassem as melhores práticas na APS, em 2017, haveria escopo para expandir a cobertura da ESF em 61%, aumentar o número de consultas médicas em 58% e, com outros profissionais de saúde, em 86%, além da expansão em 58% em cobertura vacinal no primeiro ano de vida. Se alcançadas as melhores práticas na MAC, também no ano de 2017, haveria escopo para aumentar em 176% o número de procedimentos ambulatoriais e em 163% o número de internações. Ainda, esse aumento de oferta de serviços implicaria a queda estimada da mortalidade evitável em 3,6% na faixa etária de 0–4 anos e em 7,3% na faixa de 5–74 anos.


Discussão: uma agenda de eficiência para o SUS


Esses resultados corroboram evidências anteriores que demonstram ineficiências no sistema público de saúde do Brasil. Embora as restrições de recursos, resultado dos baixos gastos públicos, sejam um dos motivos da consolidação limitada do SUS, o sistema opera com níveis relativamente altos de ineficiência. Caso essas ineficiências fossem sanadas, o SUS poderia obter melhores resultados de saúde mesmo sem mais recursos, o que é particularmente importante no contexto da crise fiscal brasileira.


Em resumo, os principais desafios relativos à eficiência enfrentados pelo SUS são: 

(i) Arranjos institucionais que, ao descentralizar ao nível municipal, resultaram em fragmentação e deseconomias de escala; 

(ii) Organização da prestação dos serviços destinados a curar patologias agudas, com limitada coordenação entre os provedores e os níveis de atenção (primária, secundária e terciária).

Os serviços hospitalares e de diagnóstico estão distribuídos de forma desigual e, muitas vezes, são pequenos demais para operar com eficiência e garantir qualidade; 

(iii) Mecanismos ineficientes de pagamento aos provedores dos cuidados de saúde (hospitais, clínicas etc.). 

As formas de pagamento atuais não são baseadas nos custos reais da prestação dos serviços, quase não são relacionadas aos diagnósticos clínicos e tampouco são ajustadas pela gravidade dos casos. A Autorização de Internação Hospitalar (AIH), mecanismo usado para pagar hospitais que têm contrato com o SUS, consiste no pagamento de um valor preestabelecido vinculado aos procedimentos. A AIH contribui apenas modestamente para o controle de custos, porque os montantes pagos são seriamente distorcidos. Frequentemente, os hospitais são pagos por meio de orçamentos por rubrica baseados em padrões históricos de gasto, que não remuneram qualidade nem contenção de custos. Na APS, os prestadores são principalmente assalariados; 

(iv) Oferta inadequada e uso subótimo de elementos essenciais dos sistemas de saúde. 

Por exemplo, existem situações de densidade populacional inferior a um médico de APS por mil habitantes. Novas tecnologias são muitas vezes incorporadas para atender às situações específicas, como demandas judiciais, sem qualquer avaliação de eficiência econômica.


Propor uma agenda de eficiência ao SUS é essencial para consolidar e expandir os avanços dos últimos 30 anos. 


Alcançar melhores resultados dos gastos com saúde é um desafio global. A maioria dos países enfrenta desafios para prover serviços de saúde eficientes e sustentáveis para sua população. A experiência dos países que consolidaram seus sistemas de saúde com reformas periódicas mostra que a consolidação do SUS depende da capacidade de adotar medidas de modernização e reformas estruturais, considerando a qualificação dos gestores, a ciência e o diálogo entre as múltiplas perspectivas dos agentes envolvidos na melhoria do sistema.


O progressivo controle da pandemia da COVID-19, com as medidas sanitárias adotadas e o avanço da vacinação, representa uma oportunidade única para o debate inclusivo sobre as conquistas e os desafios do sistema público de saúde brasileiro e opções para seu aperfeiçoamento. Este debate é importante tanto para melhorar a atenção à saúde, garantindo serviços que satisfaçam às necessidades e expectativas da população brasileira, como para o equilíbrio das contas públicas, na medida em que a saúde tem um dos maiores orçamentos do governo brasileiro (R$ 304 bilhões para os três níveis de governo em 2019, R$ 128 bilhões apenas para a União em 2019). Mantido o padrão atual de crescimento nominal dos gastos, a conta do SUS alcançará mais de R$ 700 bilhões em 2030.


Uma agenda de eficiência para o SUS tem que enfrentar desafios estruturais, muitos deles exacerbados durante a pandemia da COVID-19, por exemplo: 

(i) Racionalizar a oferta e a gestão dos serviços ambulatoriais e hospitalares para maximizar escala, qualidade e eficiência e incentivar o acesso ao sistema e o poder ordenador da APS; 

(ii) Melhorar a integração e a coordenação dos cuidados dentro do SUS, por meio da implantação de redes integradas de atenção à saúde (RAIS); e 

(iii) Aumentar o desempenho dos serviços e da força de trabalho em saúde com expansão e melhor distribuição da oferta de profissionais, qualificação sistemática, mudanças nas relações contratuais de trabalho e introdução de tecnologias e incentivos para aumentar a produtividade dos profissionais. 

Essas reformas têm por objetivo aumentar a eficiência, a efetividade, e a qualidade dos serviços do SUS, de forma a garantir a sua sustentabilidade a médio e longo prazo.

Referências bibliográficas


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