João Moraes Abreu, Carlos Lula e Marcia Castro: E se levássemos nossos dados de saúde a sério?


Folha de São Paulo
Downloaded on December 22, 2021


De repente, ficamos sem nossos dados de vacinação. Em um momento de apreensão global com novas variantes do coronavírus, um ataque hacker em 10 de dezembro comprometeu sistemas do Ministério da Saúde, incluindo o Conecte SUS e a funcionalidade de emissão do Certificado Nacional de Vacinação contra a Covid-19.


O ataque escancarou a fragilidade dos sistemas que armazenam e deveriam proteger informações sensíveis de milhões de pessoas. O episódio não foi isolado e se torna cada vez mais comum.


 Embora nos leve a crer que o Ministério da Saúde e as secretarias não saibam cuidar dos dados do SUS, isso não é verdade. Poucos países do mundo têm tantas informações organizadas e detalhadas sobre a saúde da população como o Brasil.


Em 2021, 94% das unidades básicas de saúde do país tinham computador e 92% acessavam a internet (TIC Saúde 2021). Além disso, 81% dos estabelecimentos públicos de saúde usavam sistema eletrônico para registro de informações dos pacientes -sendo parte delas enviada ao Ministério da Saúde, gerando um riquíssimo banco de dados.


É por meio desses dados que conseguimos estimar que, todos os anos, 7,6 milhões de diabéticos e 28 milhões de hipertensos não estão sendo acompanhados devidamente nos serviços de saúde. Também é possível saber que 400 mil gestantes não fazem um pré-natal adequado.


E não são só números: com cruzamentos de dados, os serviços de saúde podem identificar as pessoas mais vulneráveis, que estão com protocolos de atendimento em atraso, e ativamente buscá-las antes que sua condição de saúde piore. É o melhor cenário para o cidadão, e também para os cofres públicos, uma vez que as políticas de prevenção têm um custo menor.


Esse volume de informações permite um nível de inteligência que não encontra paralelo em países do porte do Brasil. Se usarmos os dados para descobrir quem são e onde estão as crianças que ainda não vacinamos, as grávidas que não fizeram pré-natal, ou identificar os surtos de doenças como a gripe antes que se tornem epidemias, as equipes de saúde da família do SUS poderão agir de forma ativa, potencializando a atuação da atenção básica. Basta ver o que fizemos quando as vacinas contra a Covid-19 finalmente chegaram ao país.


Há um imenso potencial inexplorado, mas, para que os dados do SUS possam ser usados de forma eficaz e segura, é preciso vencer a histórica fragmentação da governança da tecnologia de informação e criar uma agenda rigorosa de transparência, convocando o governo federal a assumir seu papel impulsionador em um ecossistema de inovação que inclua municípios, estados e sociedade civil. Com isso, será possível criar soluções que garantam não apenas a proteção dos dados, mas também o acesso seguro por todos os atores interessados em transformar a saúde pública no país.


Os ataques que atingiram dados de vacinação contra a Covid-19 deixam claro que ainda temos obstáculos. Mesmo neste cenário adverso, precisamos lembrar que temos informação e equipes de saúde preparadas para tornar o SUS um sistema muito mais inteligente. Mas não estamos levando isso a sério.


Quantas vidas poderíamos estar salvando?​

Originally published at https://www1.folha.uol.com.br on December 22, 2021.

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Related Posts

Subscribe

PortugueseSpanishEnglish
Total
0
Share